Escrever um livro histórico não é para qualquer
um e, fazê-lo em forma de romance é-o ainda menos. Mas o meu amigo Valentino
Viegas não é qualquer um. Historiador doutorado, deve ter passado grande parte,
da sua vida e do seu tempo, feito rato de bibliotecas e arquivos metendo o
nariz em tudo o que é registo e documento para nos relatar com a maior
veracidade possível “As Teias da Primeira Revolução Portuguesa”, dando-lhe ao
mesmo tempo uma visão quase real do que teriam sido os diálogos e conversas de
todos aqueles homens que foram responsáveis pelo facto de a coroa portuguesa
não ter caído em mãos castelhanas após a morte de D. Fernando e durante a
regência de sua mulher D.ª Leonor Teles (1383/1385). É pois, através de uma
linguagem fácil que seguimos todas as reuniões dos homens, quer da nobreza quer
do povo, que levam D. João, Mestre de Avis, a liderar várias acções, que começando
na morte do Conde Andeiro, terminam nas Cortes de Coimbra com a aclamação de D.
João, Mestre de Avis, a rei de Portugal.
Através deste livro romanceado ficamos a saber
que a causa de toda a teia revolucionária residiu no facto de Portugal estar em
vias de perder a independência nacional, por ainda não ter nascido o filho do
rei D. João I de Castela e de D. Beatriz, filha do falecido rei D. Fernando e
da rainha D. Leonor Teles que, depois de gerado, seria o futuro rei do
território português, conforme determinavam as cláusulas do contrato de
casamento de Salvaterra de Magos. O rei vizinho, como desejava ocupar o trono
português, já se intitulava rei de Portugal, por lhe permitir o clausulado daquele
contrato. A sua vontade era fazer letra morta daquele tratado celebrado entre
Portugal e Castela.
O livro revela também como a rainha D. Leonor, que
pretendia concentrar em si todo o poder, tinha conseguido que os infantes D.
João e D. Dinis, potenciais candidatos ao trono português, filhos do rei D.
Pedro e de D. Inês de Castro, se exilassem em Castela. Por sua vez, o
amedrontado D. João, Mestre de Avis, igualmente filho do rei D. Pedro, contudo,
muito menos influente que aqueles dois meios-irmãos, alegando defender a sua
vida mata o conde Andeiro, amante da rainha, acelerando o complexo e imprevisível
movimento revolucionário.
Nesta intensa trama, o cidadão Álvaro Pais,
alguns nobres e homens do povo, como o tanoeiro Afonso Anes Penedo e o
sapateiro Estevão Domingues, conseguiram, com a sua liderança e intervenção,
mudar o rumo dos acontecimentos fazendo com que nobres, clérigos, representantes
concelhios e homens de leis, como o doutor João das Regras, tomassem as
decisões que mudaram o curso da história.
Tudo isto nos é mostrado através de uma
linguagem livre e directa, completamente entusiasmante que nos leva, parágrafo
atrás de parágrafo, até ao fim da história que é de nós conhecida na sua
essência, mas não no seu pormenor. De salientar algumas similitudes entre esta
revolução e a de 25 de Abril de 74.
A propósito de linguagem livre, achei divertidíssimo
que Valentino Viegas pusesse na fala de Afonso Anes Penedo, a frase: “… pela
minha parte, tive o cuidado de reanalisar o filme posto a correr pelas
ruas e ruelas da capital ...” como se em pleno século XIV já fosse possível
utilizar filmes. Liberdades de escritor que o autor certamente me perdoará a
ousadia de referir.
Valentino Viegas sempre se interessou pela
história e já a isso se referia em livros anteriores, nomeadamente em “A Morte
do Herói Português”, livro que escreveu sobre a sua experiência de guerra em
África, onde aliás teve comportamento extraordinário que lhe valeu uma cruz de
guerra.
Sinto-me honrado em ser amigo deste nosso
historiador/escritor, natural de Goa, que optou por viver em Portugal após a
invasão daquele território e que muito veio valorizar o nosso panorama
cultural.
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