Há quem diga que os homens têm de
sofrer pra ganharem um lugar eterno junto do “criador”. Ando pelas ruas e vejo
sofrimento por todos os lados. Um homem, mais novo do que eu, agarrado a uma
bengala, dá três passinhos, pára, tenta dar mais um passo, mas as pernas não
lhe obedecem e quase cai. Fico na dúvida se devo ajudá-lo ou não. Gostava de
ter o talento de escrita do meu amigo Balsa, ou o poder de síntese e de lógica
de outro meu amigo, Alves de Fraga, para descrever com um pouco menos de crueza
as situações que se me deparam. Eu, certamente por ser ateu, não sofro, não
procuro o tal lugar eterno. Mas o estranho é que não são só os humanos. Um
pombo quase não consegue levantar voo por deformação numa pata. Outro, deitado,
já não foge de coisa nenhuma e a cabeça vai-lhe pendendo com os olhos a
fecharem-se. Estará por pouco. Mais à frente uma senhora passeia um cão só com
três pernas. Um melro está morto e outro saltita à sua volta. Um coxo, com uma
perna esquelética à vista, pede esmola num sinal de trânsito. Pobre homem que
não consegue sequer arranjar jardins para ganhar o sustento. Uma cigana romena,
embrulhada em cobertores e xailes, sentada junto às escadas de um supermercado,
fala uma lengalenga imperceptível estendendo uma lata para as esmolas que
algumas almas condoídas sempre vão dando. A essa não dou nada e, se tivesse
poder para isso, recambiava-a para o seu país de origem. Não tem ainda 40 anos.
Dá-me vontade de lhe pregar uma esfregona nas mãos e mandá-la lavar escadas
pois há muitas a precisarem de limpeza. Mas essa faz parte de uma máfia
familiar que se reveza e troca de lugares a miúde. Devem estar ricos. Para que
lhes servirá o dinheiro?
O sofrimento existe neste mundo e
não é sina de ninguém nem destino que está marcado. É assim porque fazemos
parte de um sistema não pensado, não ordenado e com um único destino. O fim.
Somos um produto da evolução animal e não perfeito. Não há uns “abençoados”! e
outros “demonizados”. Apenas vivemos e vamo-nos degradando até ao fim. Fim esse
que é igual para todas as coisas. Pena não nos transformarmos em diamantes.
Esses são eternos. Pelo menos até este nosso pobre astro rebentar.
Chego à minha rua, sento-me
dentro do meu BMW, ligo o rádio, meto um disco, e oiço Verdi e Mozart. Não
digo, mas penso: “Aqui está-se bem”.
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