Transcrevo aqui no meu blog o excelente artigo do meu amigo Doutor Valentino Viegas, escritor de mérito confirmado, e publicado no Diário de Notícias em Fevereiro passado. Neste artigo, o meu amigo Valentino, tem a amabilidade de evocar o meu nome, o que agradeci com muita amizade.
Sou octogenário
Valentino Viegas
Caros amigos, estou de parabéns, que
maravilha, sou octogenário!
Só me apercebi e me consciencializei que,
precisamente, uma semana depois iria ser octogenário, quando li o editorial
intitulado "Itália e a sabedoria dos octogenários" de
Leonídio Paulo Ferreira, no jornal Diário de Notícias, datado de 7 de Fevereiro
de 2022.
Naquele memorável dia 11 de Julho de 1982,
data em que se realizou a final do campeonato do mundo da partida de futebol,
entre a Itália e a Alemanha Ocidental, no estádio madrileno de Santiago
Bernabéu, recordado naquele editorial pela pena do jornalista Leonídio, quantos
adultos não teriam tido inveja do então Presidente da República Italiana,
Sandro Pertini, por não terem a coragem nem espontaneidade para saltar
publicamente da cadeira, extravasando vibrantemente as suas emoções, só porque
a bola entrara na baliza da equipa alemã e a sua Itália, que tanto amava, podia
ser sagrada campeã do mundo?
Também eu vi no ecrã televisivo as
comoventes e inesquecíveis manifestações de regozijo daquele octogenário
italiano, festejando com gestos eloquentes e expressivos o hino à alegria, como
tanto gostamos de ver quando espelhado no sorriso radioso de um bambino de
olhar inofensivo e rejubilante.
Não há nada como ter a ousadia de nos
comportarmos do jeito das crianças quando necessitamos de fazê-lo, mesmo que
não possamos ser rotulados de catraios apenas por causa da nossa provecta
idade, denunciada pelos cabelos brancos e feições enrugadas.
A criança que transportamos em nós por
demasiado tempo adormecida, em virtude da obrigação do cumprimento das severas
regras impingidas pela sociedade, merece ser libertada, trazida à superfície,
incentivada a levantar voos arrojados, sempre que precisamos dela para nos
consciencializarmos e sermos iguais a nós próprios quando queremos.
É preferível esse comportamento excêntrico
do que ouvir lamentos, ao vivo ou ao telefone, daqueles que não amam a vida e
passam o tempo inteiro a queixarem-se como se fossem as criaturas mais
infelizes do mundo, só por serem dotadas de idade avançada, retratada nas rugas
do corpo e sofrida nas cicatrizes da alma.
Pessoalmente, gosto mais daquelas pessoas
que me respondem, quando simplesmente as cumprimento, dizendo que tirando dói
aqui, dói ali, está tudo bem, do que aquelas a quem basta doer um bocadinho a
ponta da unha do dedo do pé para começarem logo a lamuriar, despejando
ladainhas de queixas irrelevantes e lamentando que está tudo mal. Embora
afirmem não ser masoquistas, têm a sublime arte de se vitimizarem e descobrirem
sempre alguma razão para nos garantir que sofrem horrivelmente, parecendo que o
mundo nasceu unicamente para as perseguir e maltratar.
Com a finalidade de não ser contagiado por
essas mentes doentias, que encontram sempre motivos para nada produzirem,
prefiro observar e seguir, por exemplo, a atitude de Adriano Moreira, estadista
e estudioso de assuntos da política internacional que, embora daqui a poucos
meses venha a fazer cem anos, continua a brindar-nos com belos textos nos
jornais, assim como do meu querido amigo e Professor, o historiador António
Borges Coelho que, embora seja nonagenário, vai lançando, regularmente, além de
outros trabalhos dispersos, livros sobre a História de Portugal.
E, a propósito de amigos e de
octogenários, não consigo deixar de mencionar o novo amigo que ganhei na
piscina do Complexo Desportivo de Benfica, o coronel aposentado Rui Cabral
Telo, excelente conversador e cultor da palavra, tanto lida como escrita, nosso
animador por ser possuidor de genuíno talento para contar anedotas, cuja
presença nos entusiasma e encanta, notando-se logo a sua ausência, porque o
balneário rapidamente se metamorfoseia e se transforma em autêntico velório.
Alertam-nos a nós, octogenários, que não
podemos levar a vida de forma desregrada e irresponsável, apresentando como
cómoda justificação e desculpa a provecta idade que sentimos nos ossos doridos
do corpo, ou em cima dos ombros prenhes de fadiga. Necessitamos de nos
consciencializarmos que, no cenário global do envelhecimento populacional, a
nossa faixa etária apresenta a maior incidência de quadros demenciais.
Para não sermos uma carga demasiado pesada
para a sociedade, aconselham-nos os entendidos, em matéria da saúde, que nos
devemos manter fisicamente activos, participar em actividades sociais e
procurar melhorar a qualidade de vida, ou seja, viver sim, mas com autonomia,
criando novos projectos pessoais, acompanhando as mudanças e concorrendo para
possuir boa saúde física e mental.
Acrescentam também que é necessário
sabermos aceitar e viver com o inadiável caminhar para a velhice, associado à
inevitável diminuição de algumas funções vitais, e não pretendermos querer
rejuvenescermos à custa de sacrifícios inglórios pois, por mais que labutemos,
jamais poderemos desfrutar de um envelhecimento juvenil.
Tenho para mim que não nos devemos
preocupar demasiado com o futuro nem com o tempo, porque o tempo é como o vento
que passa sem ser visto e a inevitável morte, o caminho seguro, porventura
delineado à nascença, que nos indica o fim do jornadear da nossa existência.
Por isso proponho que, nós, os
octogenários, com um sorriso nos lábios, lutemos para valorizar e optimizar a
vida que fruímos.
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