quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Mudança na Selva? Talvez…


O urso, alto e determinado mas um pouco façanhudo, sabia ser agradável quando queria obter algo dos outros. Na clareira da floresta, encostado a um tronco, falava com o periquito. Este, baixinho mas emproado, usava uma pequena melena para disfarçar as penas que já lhe iam faltando no alto da cabeça. Não era da seita do urso, mas encostava-se a ele enquanto este não perdesse o poder que o velho crocodilo lhe concedera. O periquito era um grande periquiteiro, não no sentido das periquitas porque a elas detestava-as, mais no sentido dos outros periquitos e não só. Ambos estavam preocupados apesar do velho crocodilo os manter na chefia da floresta, mas os macacos andavam em grande azáfama para os derrubarem. Parece até, que pela primeira vez, andavam a tentar que os furões e as águias, até aqui bastante afastados, a eles se juntassem para que em conjunto pudessem fazer frente à ursalhada e periquitada. A macacada já antes e por algumas vezes tomara conta das leis da floresta, mas a bicharada cansou-se de tantas macaquices perpetradas por alguns macacos que se portaram mal e, mudou a sua opinião colocando os ursos no poleiro. Claro que se arrependeram, estes tornaram-se uns prepotentes e a vida na selva estava pelas ruas da amargura. Agora talvez com a ajuda dos furões e das águias, conseguissem fazer frente aos ursos. A coisa até estava bem encaminhada, mas o velho e decrépito crocodilo, tinha mais medo das águias que dos caçadores. Parece que, no antigamente, as águias costumavam comer os ursinhos e crocodilos bebés logo pela manhã. Claro que não era verdade, mas pelo sim pelo não… Então, cheio de cagaço, optou por manter o urso chefe na gestão da floresta contra a maioria da bicharada que no conjunto optara mais pelos macacos, furões e águias.

– Ó periquito – Dizia o Urso – Estamos lixados, os macacos agora com aquele macacão preto na chefia, parece que mudaram de táctica e em conjunto com aquela furoa, que até é girinha mas levada da breca e daquela velha águia matreira, querem correr connosco da liderança da floresta. Tudo o que andámos a fazer vai por água-abaixo com aquela mania que eles têm de quererem dar tudo á bicharada.
– Isso é uma grande gaita – retorquiu o periquito – O raio do crocodilo decrépito é capaz de se acagaçar e dar-lhes a condução da nossa selva. Essa bicharada reles já estava a começar a estar habituada a viver com pouco e agora vão novamente ter tudo e mais alguma coisa. E depois não venham chorar que os recursos desta pequena floresta não chegam e lá vão eles de novo ter que pedir ajuda às florestas maiores à nossa volta. Será que eles serão capazes de encontrar novos recursos?
– A gaita é que parece que têm lá uns macacos novos que dizem que sim e, se conseguem então é que é mesmo o nosso fim e não o da macacada. – Disse o Urso.
– Hum – resmungou o periquito, com aqueles olhinhos minúsculos a revelarem o medo que sentia. – Faço votos para que o seu entendimento não dure muito e então caímos-lhes em cima e vai ser mesmo o fim da macacada. Eles nunca se entenderam e não vai ser agora.
– Não sei não. Desta vez estou com muito medo. Quem tinha razão era aquele velho gato das botas que governava antes de haver esta mania de fazer perguntas aos bichos. O gajo não estava com meias medidas, quando lhe faziam frente metia-os em gaiolas ou limpava-lhes o sarampo. Parece que tinha uns apaniguados que tratavam disso. Agora, se fizéssemos o mesmo, eramos nós os escorraçados ou penduravam-nos nas árvores pelas patas traseiras até o sangue nos sair pelos olhos. Vamos esperar. O crocodilo apoia-nos. Pode até ser que o negro macacão se sensibilize e acabe por nos ajudar.
--Pois. Espera por essa mas sentado. O gajo quer mandar e voltar a dar tudo à bicharada.

Entretanto, noutro local da pequena selva, o macaco chefe da outra facção dos bichos, reunia-se com a furoa e o Águia para encontrarem uma forma de correrem com a ursada. Não era fácil, macacos, águias e furões nunca se entenderam lá muito bem, mas parece que desta vez seria possível. Mal por mal, mais valia juntarem-se e engolirem alguns sapos, pobres batráquios, do que deixar aquela corja no poder e o crocodilo mumificado que se lixasse pois terá de ir embora dentro de pouco tempo.
O sol já se escondia e a bicharada resolveu voltar às tocas. O urso e o periquito apanharam uns elefantes que os transportavam e iam pensando que se não se pusessem a pau, qualquer dia teriam de andar de tartaruga…
Macacos, furões e águias continuaram… trabalhavam para conseguirem a mudança. A bicharada sabia disso e esperava para ver. A noite tomara conta da selva, mas o dia havia de nascer...



5 comentários:

  1. O fim da selva

    Se os macacos mandarem, põe-te a pau,
    Tu que és, na selva, apenas um bichinho,
    Que, quando eles se juntam, com jeitinho,
    Todo o ouro vão sacar da nossa nau.

    Macaco é venenoso, qual lacrau,
    Mas se tem, com ele, o águia, coladinho,
    Também busca a furoa, de mansinho,
    Num baile de poder, findo em sarau.

    Depois é governar, num frenesim,
    P’ra ir buscar a troika, lá para o fim,
    Com dinheiro do Fundo, que é bem fixe.

    E, com tais artimanhas e ardis
    Acabam a ir estudando p’ra Paris.
    E o povo? Sim, o povo? Que se lixe!...

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  2. Confesso que já não sei o que é melhor, nas agruras tiraram-me o paladar, perdi o apetite e comecei a ficar pior! Esquartejado sem parar, velho demais para reagir, para os dois lados a olhar, não me sobra discernimento para deles poder fugir! Generalizada se tornou a corrupção, não há animal que não conspire, a floresta entrou em revolução, os pançudos passam a vida a rir, os pequenitos a pensar no que mais lhes há-de vir! J.M.

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  3. Aos meus dois comentaristas habituais o meu muito obrigado. Um em soneto outro em prosa poética. Qual dos dois o melhor.

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  4. Pois é, amigo Telo, a selva é um espaço de liberdade, mas é a Natureza que ali manda e esta, não poucas vezes, impõe o seu equilíbrio pelas vias mais estranhas e inesperadas... Aquilo a que normalmente a fauna se habitua, e lhe serve os seus intentos, chamam-lhe eles a tradição! Mas a tradição não é um valor absoluto, mas apenas uma prática, que como tudo na vida, é uma arma de dois gumes... Não vou aqui gastar tempo a enumerar "tradições" que o eram e foram consideradas nefastas e retiradas do rol de práticas bem aceites pela fauna... Por outro lado, é justo as novas espécies tentarem novos caminhos e defenderem novas opções... Deixemos pois a macacada mostrar à selva aquilo que ainda ninguém tentou antes... Estamos fartos de hienas velhas e rancorosas, de dentes aguçados, mas também de sorriso matreiro, enquanto aguardam acoitadas a melhor altura de nos ferrarem os ditos!... Viva a irreverência, porque já vamos estando fartos de só obedecer e nada de bom nos chega...

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  5. Ernani, façamos votos para que macaquinhos dissidentes não estraguem a irreverência. Já vi isto melhor...

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