domingo, 24 de março de 2019

Bilhetes Trocados



Pois, meus amigos, foi mesmo assim. Sexta feira passada fui ao cinema com a mulher, coisa natural e corriqueira que fazemos muitas vezes. Normalmente vou ao Corte Inglês, fica em bom caminho e meto o carro no parque pelo custo dos bilhetes que já são de terceira idade. Chego sempre perto da hora do começo do filme, deixo a minha mulher à porta, ela sobe e compra os bilhetes enquanto procuro lugar para o carro. Chego lá a cima, ela estava ao balcão, o funcionário entrega-me os talões e diz-me: “Sala 13”. Entro, dirijo-me à sala e sentámo-nos. Começa o filme e eu que tinha dito á minha mulher para comprar para o “Correio de Droga” do Clint Eastwood, começo a estranhar as imagens. Perguntei baixinho: “Para que filme pediste bilhetes?” ao que ela responde: "para o Correio de Droga". Conclusão: O funcionário vendeu-lhe bilhetes para outro filme, vá lá saber-se porquê. Ou estava distraído ou percebeu mal, mas tudo bem. A coisa até não foi má, pois acabei por ver um filme muitíssimo bom.
Green Book é um filme muito premiado baseado numa história verídica, dirigido por Peter Farrelly, cujo argumento foi escrito por ele com a colaboração de Nick Vallelonga, filho de Franck Vallelonga, protagonista principal da história.
Um segurança, italo-americano, de uma discoteca que fecha para remodelações, fica momentaneamente desempregado e aceita um emprego como motorista de um pianista clássico, negro, Dr. Don Shirley, que aceita uma tournée de dois meses pelos estados do Sul dos USA.
Estão mesmo a ver o que se vai passar: Um branco, bonacheirão, inculto e um pouco irrascível, a conduzir um negro, rico, culto e digno, pelos estados racistas do sul nos anos 60, em que o pianista é recebido e aplaudido nos concertos, mas que não é socialmente aceite nos ambientes só destinados a brancos.
Durante a viagem ambos se vão conhecendo e absorvendo, a cultura um do outro, com todos os conflitos inerentes à disparidade de feitios. O negro culto, aceitando sem conflitos aquilo que lhe é imposto, e o seu irascível motorista, conhecido por “Tony Lip” habituado a resolver por métodos violentos, os conflitos da discoteca, cria toda a espécie de sarilhos, partindo muitas vezes para a violência contra as mentalidades fascistas e racistas dos brancos do sul da América.
Diga-se de passagem, que o espectador, não racista, exulta de alegria quando aqueles energúmenos levam uns murros bem assentes na cremalheira. Situações constrangedoras são apresentadas ao negro, ao ponto de no meio de um concerto, de smoking impecável, querer ir à casa de banho e o mandam para uma retrete, nas traseiras, de madeira tipo pocilga. Claro que o “maître” leva umas boas punhadas no focinho, que o nosso motorista lhe aplica e os dois acabam por mandar o concerto às couves e irem para um bar só de negros onde o nosso pianista acaba por dar um “show” de piano sendo depois acompanhado por todo o conjunto de “Jazz”.
Estupidamente, também aqui se verifica o contrário. Um branco ter a “lata” de entrar num bar só frequentado por negros. Mas tudo acaba em bem, sendo o nosso motorista bem recebido depois de passadas as desconfianças.
Há uma cena, em que a polícia os manda parar na estrada e os agentes olham embasbacados para o banco traseiro onde se senta um negro e o branco vai à frente conduzindo. Mandam sair os dois e acabam insultando Tony, que sem pensar, prega valente murro no guarda. Já na esquadra, ambos presos, o nosso Dr. Shirley pede para telefonar ao seu advogado. Primeiro riem-se, mas depois, alertados por um deles que os informa que o homem tem mesmo esse direito, o deixam telefonar. Ao telefone, o negro chama o chefe da esquadra e diz que o advogado quer falar com ele. Vemos o polícia atender e ficar quase engasgado só dizendo “Yes Sir, Yes Sir”. Ao desligar manda imediatamente soltar os prisioneiros perante a estupefacção dos outros polícias. Já cá fora, Tony pergunta: “Dr. a quem telefonou você?” O Negro dá grande descasca no seu motorista dizendo-lhe: “Não aprendeu nada do que lhe tenho vindo a ensinar. Disse-lhe que os assuntos não se resolvem com violência e por sua causa fez-me incomodar o Procurador Geral da República Dr. Bob Kennedy”.
Regressam a New York mesmo na noite de Natal onde Tony é esperado pela família numa enorme mesa cheia de alegria. Shirley recusa o convite para entrar e vai para o seu luxuoso apartamento, onde fica só. Mais tarde bate `porta de Tony com uma garrafa de champanhe na mão…
No resto da noite, no Procópio, meu bar de eleição desde 1975, acabei comentando o filme com a minha mulher. Aí pensámos que o velho ditado de que “Há males que vêm por bem”, é mesmo verdadeiro.
Aqui só para nós que sou militar, mas pacifista, perante estas situações racistas, só penso num aparelho que resolveria o assunto. Metralhadora!


1 comentário:

  1. Também vi o filme (e não foi por engano).
    Acrescento à tua magnífica descrição, a cena onde não deixam o pianista jantar na sala do mesmo no hotel onde ia actuar. Faziam tudo o que ele quisesse, levar-lhe o jantar ao quarto e mais não sei o quê, mas jantar naquela sala, está quieto!
    O pianista nunca tinha comido uma perna de frango à mão!
    Excelente filme, a não perder.

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