— Diga-me, que faz assim vestida
num sítio destes e com um veado preso pelos cornos?
Com uma voz celestial, que me
deixou meio tonto, a bela personagem respondeu:
— Isto não é um veado. É um
caçador como tu que cometeu o sacrilégio de me espreitar quando tomava banho na
ribeira. Não gosto que me vejam nua.
— Sacrilégio? Eu também
espreitaria. Não é todos os dias que se vê uma beldade como a senhora, aqui
nestas remotas paragens alentejanas. E já agora porque não se vestiu? Porquê de
ficar com esse robe transparente tão provocador?
— Estas são as minhas vestes. Eu
sou a deusa Ártemis ou Diana se te der mais jeito. Os romanos sempre tiveram a
mania de copiarem os Gregos só mudando os nomes.
Fiquei quase sem fala. Pensei,
esta tipa está a gozar comigo, mas assim vestida e a segurar veados pelos
cornos? Devia ser mesmo sobrenatural. Perguntei:
Uma deusa? Aqui atrás de um
chaparro? Não é costume, no nosso país, quando aparecem é mais por cima da
rama. E afinal quem era esse desgraçado que seguras pelos cornos?
— Chama-se Acteão e foi vítima de
uma das minhas flechas mágicas. Castiguei-o. Não gosto que me espiem e muito
menos nua.
— E agora? Que vais fazer com ele?
— Fica assim uns anos e vai viver
ao pé de mim até que lhe retire o feitiço. Como um cervo já pode ver-me nua à vontade.
— Olhe Diana ou Ártemis. Não
sobra aí uma flecha? Já agora gostava de fazer companhia a esse sortudo veado.
— Não brinques comigo que podes
sair-te mal. Sou virgem e prometi a meu pai, Zeus ou Júpiter como queiras, que
nunca me casaria e só ajudaria os humanos na caça e na agricultura. Tomo também
conta das florestas. Os meus seguidores também me tratam por Artemísia ou
Selene.
— Ártemis, sei um pouco da tua
história, quer a grega quer a romana, sei que és irmã gémea de Apolo, ele
também bem bonito. Sei que és filha de Leto (Grécia) ou Latona (Roma). Parece
que era uma grande defensora das crianças. Houve um tipo chamado Homero que te
descreveu como senhora das terras selvagens defensora de todos os animais.
Pergunto-te, se os defendes porque os caças?
— E tu? Também os caças. Não
gostas deles?
— Tens razão. Adoro bichos, mas
na caça mato-os. Não os deixo sofrer e persigo sempre peças feridas.
— Comigo passa-se o mesmo.
Caço-os, mas também os protejo, assim como também protejo as raparigas virgens.
— Olha Diana, aqui pela terra não te safavas
pois, para encontrares virgens tens de ir aos infantários e pré-primários, que
elas agora mal largam os soquetes começam logo a pensar nos jogos de sexo.
Também essa de prometeres ficar virgem para todo o sempre foi uma má ideia. Uma
deusa linda como tu deve ter montes de pretendentes lá no Olimpo.
— Aos três anos, ao colo de meu
pai, pedi-lhe seis desejos: manter-me sempre virgem, ter vários nomes para me
diferenciar do meu irmão gémeo, ser portadora de luz, ter um arco e flechas,
poder usar uma túnica à altura do joelho para poder correr na caça e ter
sessenta filhas todas virgens como eu. Tive tudo isso incluindo sessenta ninfas
virgens que sempre me acompanham quando delas preciso para me ajudarem na caça
e no apoio a crianças.
— Já li em qualquer lado que tudo
isso foi cantado por um poeta chamado Calímaco. Pena eu não ter talento para
poder cantar a tua beleza. Obrigado Diana por te teres aproximado de mim.
Acordei encostado à sombra de um
chaparro. Ártemis já lá não estava. Um pequeno veado ruminava à minha frente
não tirando os olhos de mim. Disse-lhe:
— Acteão, és um sortudo.
O bicho deu dois pinotes e fugiu
a correr pela vegetação.
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