O Amigo Balsa, no seu texto de
hoje no Facebook, sobre o seu estado de emergência, fez-me recordar objectos que nos ligaram
aos nossos ancestros.
Tinha eu os meus seis anitos e
fui com a família jantar a casa de um colega do meu pai, um sujeito bastante
mais velho, que se tinha reformado da Junta do Crédito Público onde meu pai e
um tio da Catarina, minha mulher, trabalhavam em conjunto. Claro que naquele
tempo a Catarina já teria os seus 4 anos, mas só nos viemos a conhecer quando
vim de Timor em 1961.
Antes do jantar, demos uma volta
pela casa do senhor e, numa das dependências, mostrou-nos uma caçadeira calibre
16, em muito bom estado de conservação. Era uma Baiard Belga de canos laterias
e já mocha, isto é, sem cães, o que para a época dela era uma modernice, pois
muitas mais modernas ainda funcionavam com os ditos. Aquilo para mim foi um
objecto maravilhoso, pois naquela idade já andava de fisga no bolso atrás dos
incautos passaritos. Poder vir a ter uma coisa daquelas era um sonho
inatingível. Após o jantar, demos uma grande volta a pé. Era Verão e estava um
calor de derreter o alcatrão da estrada por onde caminhávamos quase não sendo
incomodados pelo pouco trânsito. Numa das conversas o nosso anfitrião foi
dizendo, que tinha pena de deixar a caça, mas já não se sentia com vontade de
calcorrear montes e vales. Foi então que o meu pai propôs comprar-lhe a
espingarda. Estávamos apenas há um ano e picos no Cacém e o meu “velhote”, na
altura com 34 anos, falava no café com vários amigos caçadores que contavam
imensos episódios de caça. Se melhor o pensaram melhor o fizeram e a transacção
fez-se. A Baiard mudou de dono e passou para minha casa onde, sempre
desmanchada, ocupava uma das prateleiras do quarto de arrumações. E o
funcionário público tornou-se caçador. Nunca foi grande atirador, mas a caça
abundava e sempre se penduravam uns coelhos e algumas perdizes. Passei a ser o
companheiro e ajudante, de varapau em riste batendo aqui e ali nas moitas
fazendo, por vezes saltar alguns coelhitos. Nessa altura podia caçar-se todos
os dias, mas o trabalho e a escola só nos deixava livres os fins de semana.
Tinha 10 anos quando o meu pai me deixou dar o meu primeiro tiro. Um tordo
poisado numa oliveira foi a minha primeira vítima, mas foi como se tivesse
conseguido caçar uma ave enorme e terrível. Aquele tordo só foi para o tacho
uns três dias depois de, todo ufano, o ter mostrado aos rapazes amigos lá da
rua. Pelos meus 13/14 anos ao regressar a casa depois de uma caçada aos
pássaros com fisga e ratoeiras, verifiquei que nas serras, já muito perto de
casa, andava um enorme bando de perdizes. Não perdi tempo, fui a casa peguei na
espingarda e meti 4 cartuchos nos bolsos dos calções e aí vou eu no encalço do
bando. E não é que o encontrei… O bando levantou, meti a caçadeira à cara e
zás. Uma perdiz caiu. Nem sei como fizera aquilo. O certo é que o meu coração
pulsava que nem um cavalo e eu mal podia respirar. Apanhei o bicho e fui para
casa. Aí começou o meu dilema, ou contava a minha façanha e apanhava uma coça
por ter ido mexer na arma, ou não contava e ficava com aquele engulho de não
poder mostrar tamanho feito. Acabei por contar. Vá lá, apanhei um ralhete, mas
o “velhote” ficou orgulhoso por o filho ter sido capaz de tal acto venatório.
Aquela espingarda deu-nos muitas
alegrias e muitas caminhadas em conjunto. Quando fui para Timor, o meu pai
estava com 48 anos e desistiu da caça que ali na terra já rareava. Herdei a
arma e levei-a para Timor. Começou a ficar velhinha e cheia de folgas.
Entretanto o calibre 12 substituiu aqueles calibres mais antigos e estreitos.
Ficou em minha casa colocada num armeiro. Sempre que a olhava lembrava-me do
meu progenitor entretanto falecido. Levei-a algumas vezes ao Clube de Monsanto
para verificar se “aquilo” ainda partia uns pratos, e partia, só que os dois
gatilhos já me faziam confusão e na maioria das vezes ficava agarrado ao
primeiro e o segundo tiro não partia. As folgas já eram muitas e deitava fumo
por tudo o que era lado. Acabei por a entregar na PSP com muitas outras armas
de que me desfiz. Tive algumas armas muito mais modernas e ainda tenho uma
automática com que raramente caço. Apenas faço uns tiros aos pratos para não
perder a “mão”. Mas aquela espingarda ficou na minha memória sempre como a espingarda
do Pai.
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