O meu Pai era muito amigo do
Acúleo Costa. Este era um tipo, vendedor de uma firma de Lisboa especializada
em artigos de borracha para máquinas em geral. Vendia bem, tinha comissões e
ganhava umas massas. O filho dele, o Armando, era mais velho do que eu dois
anos e picos, mas andámos juntos na escola. O Costa tinha uma casa no Cacém com
adega, onde se faziam grandes patuscadas e também resolveram comprar uva a
meias e fazer água-pé. Na estreia da água-pé houve grande festaria. Depois
conto.
Entretanto, o Costa, resolveu
fazer um favor a um amigo e tomar-lhe conta do filho por uns tempos enquanto este
tratava do seu divórcio e resolvia os seus problemas de negócios. Foi aí que
conheci o Carlos Manuel, um puto de 10 anos, um pouco sisudo e meio
desconfiado. Andávamos com ele para todo o lado e até quando os dois amigos,
meu Pai e Costa, alugaram uma casa de Verão na Ericeira, dois apartamentos num
primeiro andar de uma casa no Largo de São Sebastião, o puto ia para lá passar
férias e fins de semana connosco. O Costa e a mulher tratavam o miúdo com todo
o carinho e proporcionaram-lhe a melhor estadia possível. Estas coisas geram
ciúmes e o meu amigo Armando começou a embirrar com o puto e, de quando em vez
chegava-lhe a roupa ao pelo, mas o miúdo era reguila e não se ficava gerando-se
muitas vezes grandes altercações com troca de “mimos”. Eu, tinha pena do rapaz
e quase sempre era o apaziguador conseguindo controlar o Armando. Ainda por
cima o rapazito cantava muito bem e, nos serões, encantava toda a gente
principalmente raparigas e senhoras, o que mais acicatava os ciúmes do Armando.
Voltemos á noite da estreia da
água-pé. O Costa tinha muitos amigos no meio fadista e conseguiu levar à sua
festa alguns, entre eles o célebre Carlos Ramos e muitos outros bem conhecidos
de cujos nomes já não recordo. Mas a estrela da festa foi o puto que cantou
imensas canções brasileiras do velho Luís Gonzaga, o cantor do acordeão e
chapéu à cangaceiro. Nessa noite, os meus pais deixaram-me um pouco à vontade e
os meus 13 anos não mediram bem as quantidades de bebida. A água pé saiu com
11º e fui para a cama com uma bebedeira dos diabos, mas antes disso falei
durante um fado do Carlos Ramos e o raio do homem quase me comeu vivo.
Fiquei-lhe com algum pó. No dia seguinte rumámos todos à Ericeira e eu viajei com
uma ressaca daquelas. O Armando levou todas as férias a embirrar com o rapaz e
eu a fazer de salvador do miúdo livrando-o de algumas tapas.
O puto chamava-se Carlos Manuel
de Ascensão do Carmo de Almeida, filho do empresário Alfredo de Almeida e de
Lucília do Carmo e passou quase 6 meses na casa do Costa enquanto correu o
divórcio dos pais e a Adega da Lucília, na R. da Barroca no Bairro Alto, se
transformava na Adega do Faia. Após essas férias perdi-lhe o rasto. Eu andava
nos Pupilos do Exército e ele foi para a Suíça estudar hotelaria. Só o
reencontrei no pós 25 de Abril quando fui ao Faia ouvir uns fados. O velho
Almeida já tinha falecido e o Carlos, nessa altura já Carlos do Carmo, tomou
conta da gerência. Reconheceu-me de imediato e veio para a minha mesa recordar
as velhas peripécias vividas na Ericeira. Encontrámo-nos várias vezes depois e
só agora escrevo isto após a sua morte. Lembro-me, de ele em miúdo, dizer-me
que nunca seria fadista, mas o bichinho estava lá e os genes da mãe também.
Infelizmente faleceu cedo. Muita saudade.
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