sábado, 4 de março de 2017

A partida à Mãe

Continuando a respigar alguns textos tirados de outros escritos meus, aqui fica um que faz parte do meu "best seller" (eh...he...eh...) autobiográfico "O Lagarto". Perdoem-me algum vernáculo, mas descrever brincadeiras de putos sem uns palavrõesitos, até ficava mal.
...
O puto chegou ao quintal, cagou as mãos de lama tendo antes metido o lagarto no bolso das calças com a cabeça para dentro. – Oh mãe tira-me aqui o lenço do bolso que tenho as mãos sujas...
Pobre senhora. O susto que levou deixou-a sem fala. Nem os gritos saíam da garganta. Até o puto que ria que nem um possesso, ficara depois arrependido da brincadeira não fosse dar algum trangolomango à pobre Mãe que no fundo tão carinhosa era e tão bem o tratava. Depois, pedia desculpa choroso prometendo não voltar a fazê-lo e, também com algum medo que ela fosse contar ao Pai que não era para brincadeiras.
O Pai era companheiro, tinha feito sacrifícios para que o filho estudasse num bom colégio, mas confiava nas capacidades do puto, não chateava com aquelas merdas do vai estudar olha que se não estudares não sais, não senhor lá nisso era bestial o puto lá sabia que aquilo era para seu bem e, portanto, tinha obrigação mas, se as polantices fossem grandes e passassem das marcas... mais valia fugir pois as galhetas eram fortes e bem aplicadas, no entanto lá companheiro era, iam os dois à caça e uma vez por outra até o deixava dar um tirito com a caçadeira, normalmente aos tordos poisados nas oliveiras. Recordava as paródias nas adegas dos amigos quase sempre nas provas da água-pé ficando as caçadas muitas vezes por ali por, às pernas, pesadas demais, a caminhada já não apetecer. Também lembrava as ajudas que deixava dar nas reparações caseiras e na feitura das capoeiras dos coelhos e galinhas de que tanto gostava. Não eram campesinos, antes pelo contrário, de uma família médio-burguesa lisboeta, um Avô paterno que com um curso de Farmácia se estabeleceu em Angola por onde fez andar a família cá e lá e por lá morreu, mas o Pai sempre teve a ideia de viver no campo e assim o fez. Por um lado ainda bem, pois ver passar a juventude metido num andar ou a roçar o cu pelos cafés seria o fim. Assim, apesar de próximo de Lisboa, viver no campo era uma maravilha e, por lá aprender a vida com pastores de cabras e putos de pé descalço, coisa que queria imitar mas nunca foi capaz, sempre teve uns pés de prima-dona, qualquer pedrinha lhe dava cabo da pele e lá tinha de calçar as sandálias. Maricas... maricas... gritavam eles vendo que mal conseguia correr com as sandálias ao pescoço parecia um pardalito saltitando para evitar as pedras pontiagudas que teimavam em foder-lhe os pés. - Vão para a puta que os pariu, vou, mas é calçar-me e deixar as pedras para as cabras e para vocês, cabrões. Estes epítetos eram costumeiros e não ofendiam, a linguagem era livre entre a rapaziada que não via nas palavras significados pejorativos. Aliás toda a gente sabe que as palavras à força de repetição perdem o significado. Se não acreditam experimentem. 
O que se “rénava”, as caçadas aos grilos, as passarinhadas conseguidas com ratoeiras (costelas) e fisgas. A fisga... Ainda hoje existe… era o símbolo da força, a arma de então. Normalmente feita com uma vara bifurcada de oliveira ou acácia e elásticos de câmara-de-ar que se comprava no Pai do Joca, ferro-velho abastado, mas que nunca deu nada a ninguém, e lá iam os dez tostões que a Mãe desencantava depois de muito instada. Eram uns autênticos malabaristas conseguiam acertar numa caixa de fósforos das pequenas a 20 metros de distância. As desgraçadas das lagartixas também serviam de alvo, pobres bichos. Já namorar e andar de fisga no bolso muitas vezes largando a miúda no meio duma grande beijação para tentar lixar um ou outro melro, que incauto poisava perto, era costumeiro. Muitas vezes saía-se pelas 7 da manhã e lá se ia para o campo colocar as ratoeiras. Armados de frigideira, um bocado de banha de porco, um pouco de sal e a fritada era feita mesmo ali depois da passarada depenada e arranjada com o canivete que se guardava numa cova das serras não fossem os Pais dar com ele e era o cabo dos trabalhos, armas brancas consideradas perigosas para eles ou os outros não eram permitidas. Incongruências de adultos que depois os mandavam à erva para os coelhos armados de foices afiadas ou de enxadas de bicos para tratarem do quintal. Como se o canivete fosse arma perigosa e as ditas alfaias apenas servissem para o fim em vista. Outras vezes com uma enfiada de minhocas e uma cana-da-índia, armados de chapéus-de-chuva velhos lá iam em dias de enxurrada quando a água estava bem barrenta, fazer grandes pescarias de enguias que naquele tempo proliferavam numa ribeira onde hoje só corre merda. O canivete servia para os golpes certeiros na nuca das bichas causando-lhes morte imediata impedindo assim a fuga das alcofas de palha, as mochilas daquele tempo. Desde aí o peixe de água doce, sempre lhe soube a minhocas, pelo menos ao cheiro que ficava nos dedos depois da faina.

2 comentários:

  1. Tudo isso, meu amigo, e muito mais, historietas da juventude que o meu caro não esquece jamais, deveria fazer parte dum livro de memórias, coisas que, no futuro, não dão mais histórias, pois que, por este andar, este país já nada merece!É isto que vivemos e, depois de passados, só alguma coisa seremos, aquilo que escrevemos!

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  2. OK. Amigo. O livro existe, só que em meio informático. Obrigado pelo seu comentário e abraço.

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