Continuando a respigar alguns textos tirados de outros escritos meus, aqui fica um que faz parte do meu "best seller" (eh...he...eh...) autobiográfico "O Lagarto". Perdoem-me algum vernáculo, mas descrever brincadeiras de putos sem uns palavrõesitos, até ficava mal.
...
O
puto chegou ao quintal, cagou as mãos de lama tendo antes metido o lagarto no
bolso das calças com a cabeça para dentro. – Oh mãe tira-me aqui o lenço do
bolso que tenho as mãos sujas...
Pobre
senhora. O susto que levou deixou-a sem fala. Nem os gritos saíam da garganta.
Até o puto que ria que nem um possesso, ficara depois arrependido da
brincadeira não fosse dar algum trangolomango à pobre Mãe que no fundo tão
carinhosa era e tão bem o tratava. Depois, pedia desculpa choroso prometendo
não voltar a fazê-lo e, também com algum medo que ela fosse contar ao Pai que
não era para brincadeiras.
O Pai
era companheiro, tinha feito sacrifícios para que o filho estudasse num bom
colégio, mas confiava nas capacidades do puto, não chateava com aquelas merdas
do vai estudar olha que se não estudares não sais, não senhor lá nisso era
bestial o puto lá sabia que aquilo era para seu bem e, portanto, tinha
obrigação mas, se as polantices fossem grandes e passassem das marcas... mais
valia fugir pois as galhetas eram fortes e bem aplicadas, no entanto lá
companheiro era, iam os dois à caça e uma vez por outra até o deixava dar um
tirito com a caçadeira, normalmente aos tordos poisados nas oliveiras.
Recordava as paródias nas adegas dos amigos quase sempre nas provas da água-pé
ficando as caçadas muitas vezes por ali por, às pernas, pesadas demais, a
caminhada já não apetecer. Também lembrava as ajudas que deixava dar nas
reparações caseiras e na feitura das capoeiras dos coelhos e galinhas de que
tanto gostava. Não eram campesinos, antes pelo contrário, de uma família
médio-burguesa lisboeta, um Avô paterno que com um curso de Farmácia se
estabeleceu em Angola por onde fez andar a família cá e lá e por lá morreu, mas
o Pai sempre teve a ideia de viver no campo e assim o fez. Por um lado ainda
bem, pois ver passar a juventude metido num andar ou a roçar o cu pelos cafés
seria o fim. Assim, apesar de próximo de Lisboa, viver no campo era uma
maravilha e, por lá aprender a vida com pastores de cabras e putos de pé
descalço, coisa que queria imitar mas nunca foi capaz, sempre teve uns pés de
prima-dona, qualquer pedrinha lhe dava cabo da pele e lá tinha de calçar as
sandálias. Maricas... maricas... gritavam eles vendo que mal conseguia correr
com as sandálias ao pescoço parecia um pardalito saltitando para evitar as
pedras pontiagudas que teimavam em foder-lhe os pés. - Vão para a puta que os
pariu, vou, mas é calçar-me e deixar as pedras para as cabras e para vocês,
cabrões. Estes epítetos eram costumeiros e não ofendiam, a linguagem era livre
entre a rapaziada que não via nas palavras significados pejorativos. Aliás toda
a gente sabe que as palavras à força de repetição perdem o significado. Se não
acreditam experimentem.
O
que se “rénava”, as caçadas aos grilos, as passarinhadas conseguidas com
ratoeiras (costelas) e fisgas. A fisga... Ainda hoje existe… era o símbolo da
força, a arma de então. Normalmente feita com uma vara bifurcada de oliveira ou
acácia e elásticos de câmara-de-ar que se comprava no Pai do Joca, ferro-velho abastado,
mas que nunca deu nada a ninguém, e lá iam os dez tostões que a Mãe
desencantava depois de muito instada. Eram uns autênticos malabaristas
conseguiam acertar numa caixa de fósforos das pequenas a 20 metros de
distância. As desgraçadas das lagartixas também serviam de alvo, pobres bichos.
Já namorar e andar de fisga no bolso muitas vezes largando a miúda no meio duma
grande beijação para tentar lixar um ou outro melro, que incauto poisava perto, era costumeiro. Muitas vezes saía-se pelas 7 da manhã e lá se ia para o
campo colocar as ratoeiras. Armados de frigideira, um bocado de banha de porco,
um pouco de sal e a fritada era feita mesmo ali depois da passarada depenada e
arranjada com o canivete que se guardava numa cova das serras não fossem os
Pais dar com ele e era o cabo dos trabalhos, armas brancas consideradas
perigosas para eles ou os outros não eram permitidas. Incongruências de adultos
que depois os mandavam à erva para os coelhos armados de foices afiadas ou de
enxadas de bicos para tratarem do quintal. Como se o canivete fosse arma
perigosa e as ditas alfaias apenas servissem para o fim em vista. Outras vezes
com uma enfiada de minhocas e uma cana-da-índia, armados de chapéus-de-chuva
velhos lá iam em dias de enxurrada quando a água estava bem barrenta, fazer
grandes pescarias de enguias que naquele tempo proliferavam numa ribeira onde
hoje só corre merda. O canivete servia para os golpes certeiros na nuca das
bichas causando-lhes morte imediata impedindo assim a fuga das alcofas de
palha, as mochilas daquele tempo. Desde aí o peixe de água doce, sempre lhe
soube a minhocas, pelo menos ao cheiro que ficava nos dedos depois da faina.
Tudo isso, meu amigo, e muito mais, historietas da juventude que o meu caro não esquece jamais, deveria fazer parte dum livro de memórias, coisas que, no futuro, não dão mais histórias, pois que, por este andar, este país já nada merece!É isto que vivemos e, depois de passados, só alguma coisa seremos, aquilo que escrevemos!
ResponderEliminarOK. Amigo. O livro existe, só que em meio informático. Obrigado pelo seu comentário e abraço.
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