Teria para aí uns onze doze anos,
andava no Pilão e, aos fins de semana ou em férias, ia à caça com o meu pai
armado de varapau, para ir dando umas pancaditas nas moitas, fazendo muitas
vezes saltar um coelhito ou outro para o meu pai atirar e, muitas vezes errar.
Lembro que caçava com o grupo, o Sr. Elisiário a quem carinhosamente todos tratavam
pelo velhote. Os caçadores e eu próprio, pasmávamos como o senhor, já com 79
anos, ainda andava quilómetros a acompanhar-nos o dia inteiro. Sempre com as
suas calças de cotim, uma camisa cinzenta de manga comprida e um boné de pala,
o velho Elisiário lá estava no meio de nós aquando das caçadas. Com a sua
espingarda calibre 12, de cães de orelhas, muito usada, já um pouco curvado, lá
ia andando e atirando aos coelhos quando algum lhe passava a jeito. Não era
grande atirador. Comprara a espingarda em segunda mão (eu diria terceira ou
quarta) há pouco tempo, pois também há pouco largara o pau de caçador batedor.
Mas o que mais me admirava era a sua estoicidade e a capacidade de caminhar por
montes e vales atrás de nós como se tivesse trinta anos. No dia seguinte “o
velhote” lá estava com a mesma fardamenta, equipado com uma enxada de dois
bicos, a cavar a horta no quintal e a limpar a meia dúzia de árvores de fruto
que possuía. “Bom dia Sr. Elisiário” dizia eu ao passar na estrada junto ao
gradeamento. “Bom dia menino” dizia o nosso “velhote” nunca se esquecendo de
tirar o boné da cabeça.
Lembro esta figura da minha
infância a propósito dos meus 80 anos (completados hoje). Agora compreendo o
Sr. Elisiário por eu próprio ainda caçar manhãs inteiras às perdizes e ser
capaz de saltar os estuporados aramados sem me deixar ficar para trás da outra
“rapaziada”. Se me chamassem velhote, ficaria, não diria melindrado, mas um
pouco admirado, até porque muitos dos companheiros andam na casa dos setenta e
picos e, quando sozinho, lembro-me do “velhote” Elisiário”.
Quando somos muito novos temos
tendência de ver os outros, já adultos, como velhos. À medida que vamos
crescendo e envelhecendo, essa tendência vai mudando e nós próprios nos
tornamos sempre novos.
Passados alguns anos o Sr.
Elisiário deixou de nos acompanhar e, eu ao passar na estrada para a estação de
caminho de ferro, olhava para o quintal na esperança de o ver, mas ele já lá
não estava. Faleceu pouco tempo antes de eu deixar o Pilão, teria os seus 87
anos. Caçou, é certo mais moderadamente,
quase até ao fim.
Espero ainda caçar por mais alguns
anos apesar de agora menos vezes, dado que já não temos a nossa Associativa,
mas ainda tenho alguns convites da “rapaziada” amiga. Espero também andar atrás
das perdizes recordando o “velhote” Elisiário. Se fosse crente, e acreditasse
na vida para além da morte, certamente o “velhote” estaria sentado numa nuvem
de espingarda a postos, de tocaia aos coelhos celestes, provavelmente brancos.
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