domingo, 26 de março de 2017

O Sr. Elisiário e os meus 80 anos.




Teria para aí uns onze doze anos, andava no Pilão e, aos fins de semana ou em férias, ia à caça com o meu pai armado de varapau, para ir dando umas pancaditas nas moitas, fazendo muitas vezes saltar um coelhito ou outro para o meu pai atirar e, muitas vezes errar. Lembro que caçava com o grupo, o Sr. Elisiário a quem carinhosamente todos tratavam pelo velhote. Os caçadores e eu próprio, pasmávamos como o senhor, já com 79 anos, ainda andava quilómetros a acompanhar-nos o dia inteiro. Sempre com as suas calças de cotim, uma camisa cinzenta de manga comprida e um boné de pala, o velho Elisiário lá estava no meio de nós aquando das caçadas. Com a sua espingarda calibre 12, de cães de orelhas, muito usada, já um pouco curvado, lá ia andando e atirando aos coelhos quando algum lhe passava a jeito. Não era grande atirador. Comprara a espingarda em segunda mão (eu diria terceira ou quarta) há pouco tempo, pois também há pouco largara o pau de caçador batedor. Mas o que mais me admirava era a sua estoicidade e a capacidade de caminhar por montes e vales atrás de nós como se tivesse trinta anos. No dia seguinte “o velhote” lá estava com a mesma fardamenta, equipado com uma enxada de dois bicos, a cavar a horta no quintal e a limpar a meia dúzia de árvores de fruto que possuía. “Bom dia Sr. Elisiário” dizia eu ao passar na estrada junto ao gradeamento. “Bom dia menino” dizia o nosso “velhote” nunca se esquecendo de tirar o boné da cabeça.
Lembro esta figura da minha infância a propósito dos meus 80 anos (completados hoje). Agora compreendo o Sr. Elisiário por eu próprio ainda caçar manhãs inteiras às perdizes e ser capaz de saltar os estuporados aramados sem me deixar ficar para trás da outra “rapaziada”. Se me chamassem velhote, ficaria, não diria melindrado, mas um pouco admirado, até porque muitos dos companheiros andam na casa dos setenta e picos e, quando sozinho, lembro-me do “velhote” Elisiário”.
Quando somos muito novos temos tendência de ver os outros, já adultos, como velhos. À medida que vamos crescendo e envelhecendo, essa tendência vai mudando e nós próprios nos tornamos sempre novos.
Passados alguns anos o Sr. Elisiário deixou de nos acompanhar e, eu ao passar na estrada para a estação de caminho de ferro, olhava para o quintal na esperança de o ver, mas ele já lá não estava. Faleceu pouco tempo antes de eu deixar o Pilão, teria os seus 87 anos.  Caçou, é certo mais moderadamente, quase até ao fim.
Espero ainda caçar por mais alguns anos apesar de agora menos vezes, dado que já não temos a nossa Associativa, mas ainda tenho alguns convites da “rapaziada” amiga. Espero também andar atrás das perdizes recordando o “velhote” Elisiário. Se fosse crente, e acreditasse na vida para além da morte, certamente o “velhote” estaria sentado numa nuvem de espingarda a postos, de tocaia aos coelhos celestes, provavelmente brancos.


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