Esta andava perdida, mas merece estar aqui:
Ruy Correia Leal, filho de um
general, na altura comandante da antiga Escola do Exército, apareceu nos
Pupilos do Exército como padre capelão. Logo de início o nosso padre mostrou-se
totalmente diferente daquilo a que os padres nos habituaram. Além de ser um
rapaz novo, era companheiro da rapaziada, acompanhava-nos à praia, jogava
futebol com a malta e já dizia o seu palavrãozito de quando em vez. Eu, com 17
anos e no meu 1º ano de contabilistas, começara a pôr em causa a minha fé que,
até ali, sempre devotara ao Deus que desde muito pequenino me ensinaram a
adorar e respeitar. O meu pai, agnóstico, pedia-me para acompanhar a mãe, minha
avó, à missa todos os domingos, além da escola e do estado novo que nos
obrigava a frequentar a catequese. Aborrecia-me ter de empinar todas aquelas
rezas, melopeias que tinham de ser ditas sem falhar uma vírgula, mas por outro
lado, encantavam-me os textos bíblicos e as histórias fascinantes da bíblia das
escolas. Sabia quase de cor todos os trechos desde Sansão aos irmãos Macabeus e
quejandos. Curioso que era li muita coisa de vários autores, muitos deles ateus
convictos que se interrogavam e punham em causa todas as religiões. Não é fácil
deixar de acreditar em algo que nos vem sendo inculcado desde criança e, como
tal, tinha grandes conversas com o padre Ruy solicitando-lhe explicações para
aquilo que eu pensava e para as dúvidas que tinha. De princípio, o nosso padre
ainda teve alguma paciência para comigo, mas quanto mais difíceis se tornavam
as minha perguntas, a atitude do nosso capelão começou a mudar. Além de nada
conseguir explicar-me com alguma coerência, começou a embirrar comigo e a
tomar-me de ponta. Ora dúvidas em cima de dúvidas, leitura de livros de ciência
que muito iam explicando tornando corriqueiro e lógico o que até aí era
considerado divino, afastaram-me completamente da religião e dos deuses. Mas
aconteceu pior. Por essa altura eu já namorava uma moça, desde o ano anterior,
mais velha do que eu três anos. Um dia de Inverno, mas bonito, depois de um
passeio pelos campos, chegados a casa, com o frio enrolámo-nos demais e,
palavra puxa palavra festinha puxa festinha acalorámo-nos e …
Se fosse hoje era caso
corriqueiro, mas naquele tempo foi complicado. Cheio de problemas, resolvi
fazer do padre Ruy meu confidente pensando que os seus conselhos me seriam
úteis mas, qual quê, a partir daí se já não me podia ver pelas minhas
convicções cada vez mais ateístas, pior ficou tratando-me quase abaixo de cão e
dando-me não conselhos, mas só proibições que nada me ajudaram e, quando eu lhe
mostrava que o que estava feito já estava e, portanto, a continuação dos factos
seria natural, as minhas canelas sofreram as pancadas que o piedoso padre me
aplicava com a biqueira das pesadas botas que usava.
O meu pai, pessoa de pensamentos
já bastante avançados para a época, acabou por ser muito melhor conselheiro.
Naquela época a rapaziada pelava-se por ver umas revistas de raparigas pouco ou
nada vestidas e fazíamo-lo às escondidas guardando ciosamente essas pecaminosas
folhas. Apareceram naquela altura os primeiros calendários com umas pequenas em
“topless”
mas bastante compostas com uns
calções curtos bem decentes. Em casa, o meu pai arranjou um e eu pedi-lho para
mostrar à rapaziada pilónica. Foi um êxito e perante tal, resolvi colar as
folhas nas contracapas dos meus cadernos. Um dia, num estudo presidido pelo
padre Ruy, estava eu deleitosamente olhando as minhas ninfas quando fui
surpreendido pelo padre com olhos em brasa, tipo mefistofélico. As carteiras
eram abertas e as minhas pobres canelas pagaram pelo desaforo por mim cometido
contra a moral pública. Quando ingenuamente lhe disse que aquilo era bonito e
nada tinha de mal além de que me tinha sido oferecido pelo meu próprio pai, não
houve qualquer deus ou semideus que me safasse de mais caneladas e algumas
galhetas. Que me perdoem os meus camaradas pilões que gostaram do padre Ruy,
mas aquilo não era um pedagogo nem um capelão para uma escola como o Pilão.
Levei muitas galhetas de oficiais e professores. Todas profícuas e nenhuma me
deixou rancores. As do padre Ruy nunca perdoei. Para conclusão da história digo
que não casei com aquela namorada. Ao fim de quatro anos, já era alferes,
acabámos o namoro por incompatibilidade de feitios além de que já colocado nas
Caldas da Rainha me apaixonei por uma “baixinha” muito bonita. Essa também
passou à história devido à minha ida para Timor em 1959. No regresso, à
terceira foi de vez e encontrei aquela que ainda hoje é minha companheira. O
padre Ruy já faleceu, mas não o esquecerei e não pelas suas boas obras. Se
alguém se sentir ofendido com este meu escrito paciência, não foi essa a minha
intenção.
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