quinta-feira, 11 de junho de 2020

O que me veio à memória perante um túmulo histórico.


Escrito após uma visita ao túmulo do fundador dos Pupilos do Exército 




(Publicado no Boletim da APE 240 de 2016)

 

Os Pupilos do Exército prestaram homenagem ao seu Fundador General Xavier Correia Barreto, perante o seu mausoléu no cemitério dos Prazeres em Lisboa. A Associação dos Pupilos do Exército, como sempre, esteve presente. No final da cerimónia dirigi-me, juntamente com o Fernando Pires, Ernani Balsa, Ribeiro da Silva e outros, para a porta de saída e acabámos por ficar retidos junto de uns simpáticos gatinhos que apanhavam sol pachorrentamente estendidos em cima de uma plataforma ali estacionada. Os bichanos não escaparam aos olhos dos nossos “profissionais” da fotografia, Pires e Balsa, que os fixaram em vários ângulos e eu pensei logo na nossa querida “Piloa” Ana Oliveira, que tanto gosta dos bichanos. Enquanto isto, eu e o Ribeiro da Silva comtemplávamos um jazigo que ostentava o nome de “Capitão Henrique Carlos da Mata Galvão”, tendo o Ribeiro da Silva proferido a seguinte frase: “O que vocês contemplam na vossa frente é História”.

Esta frase deixou-me a pensar em Henrique Galvão e, talvez pelo meu espírito um pouco aventureiro, o que me veio imediatamente à cabeça foi o livro que ele escreveu em conjunto com Teodósio Cabral e Abel Pratas “Da Vida e da Morte dos Bichos”.

Tinha regressado de Timor com uma perna partida num acidente de moto, encontrava-me no Hospital Militar da Estrela e acabara de conhecer a minha futura mulher, sobrinha de um antigo amigo do meu Pai que me visitara. Esse futuro “tio” por afinidade,, era um homem dedicado aos livros e plantou em cima da minha cama uma biblioteca que eu pensei levar pelo menos uns três anos para ler toda. Dos muitos livros destaquei cinco volumes da obra que acima refiro, levado, como é sabido, pelo meu entusiasmo pela caça, a qual sempre pratiquei desde adolescente, continuei em Timor e pensava continuar a praticar, tal como veio a acontecer pela vida fora, até hoje.

Henrique Galvão foi um aventureiro e a sua vida foi plena de episódios que assim o classificam, mas não se atirava irresponsavelmente para todo o tipo de situações de ânimo leve. Não, Henrique Galvão foi um aventureiro consciente. No início da sua carreira foi apoiante de Sidónio Pais, acreditou nos ideais da revolução de 28 de Maio e foi Salazarista ferrenho. Cedo o ditador o desiludiu e cedo também se tornou seu opositor, combatendo-o ferozmente, o que o levou à Pide, à prisão e à demissão do Exército. Era assim que o sisudo e retrógrado ditador que nos governava tratava os seus opositores. Henrique Galvão refugiou-se na embaixada da Argentina e conseguiu asilo político na Venezuela, voltando a aparecer no episódio do sequestro do paquete Santa Maria, a que deu o nome de “Operação Dulcineia”. Por este nome se pode inferir o seu espírito quixotesco.

Mas não foi para falar da sua vida política que comecei este texto. A sua vida aventureira em “Portugal Colonial”, inspirou a sua veia literária, tendo escrito vários livros brilhantes sobre a vida nas colónias africanas, a sua antropologia e zoologia.

O livro “Da vida e da Morte dos Bichos” é para mim a sua obra máxima e com ele muita coisa aprendi e me serviu para as minhas futuras caçadas, quer em Angola, quer em Moçambique.

O seu amigo Abel Pratas era, como ele, um caçador desportivo. Já Teodósio Cabral era diferente. Caçador profissional, caçou durante anos em Moçambique à moda dos “Boers”, a cavalo seguido por uma carroça puxada a bois onde transportava o equipamento e a comitiva de auxiliares indígenas. Atirador exímio, costumava dizer que para se aguentar uma carga de um elefante solitário era necessária uma presença de espírito para, no meio dos carris, esperar pelo rápido, partir um farol com um tiro, recarregar, partir o outro e saltar para o lado no último instante. Talvez um pouco exagerada, esta frase. Já tive um elefante a carregar para mim e companheiros e não foi preciso tanta destreza. Foi pois com Teodósio Cabral e Abel Pratas que ele caçou durante meses e foi com eles que escreveu o seu livro. No prefácio, Galvão agradece a Teodósio Cabral todos os seus ensinamentos e refere que sem ele e o seu conhecimento profundo dos animais,, o livro não tinha sido possível. Teodósio Cabral, segundo Galvão, era um “gentleman” que sabia viver no mato caçando durante seis meses seguidos e em seguida, na civilização, usar um “smoking” e frequentar a alta sociedade. O seu conhecimento dos animais não era apenas por os conhecer olhos nos olhos, mas também daquilo que deles aprendeu nos tratados de zoologia e literatura sobre fauna africana.

Deste trio de caçadores, investigadores e intelectuais, saiu aquele que eu considero o melhor livro sobre caça e fauna africana. Dividido em 5 volumes:

 

Volume I -Elefantes e Rinocerontes 

Volume  II – O  Hipopótamo , a Girafa, o Crocodilo, os Javalis 

Volume III –  O Leão

Volume IV – Búfalos, Gorila, Leopardos, Antílopes, Etc.

Volume V (Extra-série) - Narrativas de caça Grossa em África

 

Uma leitura deliciosa que me amenizou a estadia hospitalar e me deu imenso conhecimento que mais tarde me foi muito útil.

A título de curiosidade; tive uma tia, Maria Emília Borges Tello, que não conheci por ter falecido muito nova, que foi casada com Carlos Henrique Malta Galvão, irmão do “nosso” Henrique Galvão.

 

 

 

 


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