sexta-feira, 20 de novembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872)

Começo hoje a transcrever no meu blog um texto deste ilustre pensador dos finais do século dezanove. Parece incrível como Ingersoll defendeu o agnosticismo num país tão fervorosamente crente como os USA, principalmente numa época em que um ateu era visto como um proscrito. Espero que os meus amigos crentes, que muito respeito, não me diabolizem. Tenho tanto direito em mostrar o meu ateísmo como os crentes têm em divulgar as suas ideias. Leiam porque vale a pena. A tradução deste texto foi executada por um brasileiro e publicada com pouco cuidado. Tentei aportuguesar e emendar os erros, mas é provável que tenha deixado passar alguns. Que me desculpem por isso também.

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"Um Deus honesto é a mais nobre realização do homem"  


Parte I

Cada nação tem criado o seu deus, e o deus sempre se assemelhou aos seus criadores. Ele odiava e amava o que eles odiavam e amavam, e o deus invariavelmente se encontrava do lado daqueles que detinham o poder. Todo o deus era intensamente patriota e detestava toda a nação com excepção da sua. Todos esses deuses exigiam adoração, reverência e submissão. A maioria deles se compraziam com sacrifícios, e o cheiro de sangue dos inocentes era considerado um perfume divino. Todos esses deuses sempre insistiram em ter um vasto número de sacerdotes, e os sacerdotes sempre insistiram em ser apoiados pelo povo, e a principal ocupação do sacerdote era divulgar sobre o seu deus, e insistir que ele poderia eliminar todos os outros deuses.
Esses deuses têm sido fabricados sob numerosos modelos, e de acordo com as mais grotescas formas. Alguns tinham milhares de braços; outros, centenas de cabeças; alguns eram adornados com colares de cobras vivas, alguns armavam-se com bastões, outros com espadas e escudos, alguns com fivelas, outros com asas como querubins; alguns eram invisíveis, outros se mostravam por inteiro, alguns mostravam apenas as suas costas; alguns eram ciumentos, outros tolos, outros transformavam-se em homens, outros em cisnes, outros em touros, outros em pombas, outros em espíritos santos, e muitos fizeram amor com belas donzelas humanas. Alguns eram casados e alguns eram considerados velhos solteiros por toda a eternidade. Alguns tinham filhos, e os filhos se transformavam em deuses, e adorados como seus pais o eram. A maioria desses deuses eram vingativos, selvagens, lascivos e ignorantes. Como geralmente eles dependiam de seus sacerdotes para informação, a sua ignorância dificilmente excita o nosso assombro.
Esses deuses não sabiam sequer a forma do mundo que eles mesmos criaram, pois supunham que era perfeitamente plano. Alguns pensavam que o dia poderia ser alongado se o sol fosse parado, e que o toque de trombetas poderia derrubar os muros de uma cidade, e todos sabiam tão pouco sobre a natureza do povo que criaram, que mandavam o povo amá-los. Alguns eram tão ignorantes que achavam que o homem poderia acreditar no que quisesse, ou seguindo o seu comando, e que ser conduzido pela razão, observação e experiência, seria o mais terrível e imperdoável dos pecados. Nenhum desses deuses conseguia contar uma história verdadeira sobre a criação desta pequena terra. Todos eram incrivelmente deficientes em conhecimentos de geologia e astronomia. Como regra, eram péssimos legisladores ou executivos. Eram inferiores à media dos presidentes americanos. Esses deuses ordenavam a mais abjecta e degradante obediência. Com o objectivo de agradá-los, o homem deveria colocar sua face na areia.

Claro que eram parciais para com os povos que os criaram, e sempre demonstraram a sua parcialidade defendendo aqueles povos que roubavam e destruíam os outros, e que estupravam esposas e filhas. Nada deleitava mais esses deuses do que o massacre dos não-crentes. Nada os irritava mais, até hoje, que saber de alguém que negava sua existência.
Poucas nações têm sido tão pobres de ter só um deus. Deuses eram feitos tão facilmente, e a matéria prima custava tão pouco, que geralmente o mercado de deuses estava sempre abarrotado, e os céus fervilhavam com esses fantasmas. Esses deuses não actuavam só nos céus, mas supunha-se também que interferissem nos negócios dos homens. Eles se metiam em todos e em tudo. Trabalhavam em todos os departamentos. Tudo era considerado como estando sob seu controle imediato. Nada era tão pequeno -- nada tão grande; o pouso de um pardal e o movimento dos planetas eram igualmente controlado por esses industriosos e atentos seres. Dos seus tronos celestes eles vinham frequentemente à terra com o propósito de trazer informações ao homem. Tem-se o relato de um que veio no meio de trovões e relâmpagos com o propósito de avisar que não se poderia cozinhar uma criança no leite da sua mãe. Outros deixavam suas casas para informar as mulheres se elas poderiam ou não ter filhos, informar um sacerdote como confeccionar e usar sua batina, e orientar sobre a maneira correcta de limpar os intestinos de um pássaro. Quando as pessoas falhavam em adorar um desses deuses, ou falhavam em alimentar ou vestir seus sacerdotes (o que era praticamente a mesma coisa), ele geralmente os visitava com pestes e fome. Algumas vezes ele permitia que outras nações os levassem à escravidão -- vendessem suas esposas e filhos; mas geralmente ele apreciava mandar sua vingança matando seus primogénitos. Os sacerdotes sempre faziam correctamente a sua obrigação, não só prevendo essas calamidades, mas provando, quando elas aconteceram, elas tinham sido trazidas para o povo porque eles não tinham dado o suficiente ao deus. Esses deuses diferiam como as nações diferiam; as maiores e mais poderosas nações possuíam os maiores e mais poderosos deuses, enquanto as mais fracas, tinham de se contentar com as escórias dos céus. Todos esses deuses prometiam felicidade nesta e em outra vida a seus escravos, e ameaçavam com o castigo eterno todos aqueles que duvidassem da sua existência, ou suspeitassem que outros deuses fossem superiores; mas negar a existência de todos os deuses era, e é, o crime dos crimes. Suje as suas mãos com sangue humano; lance na lama a boa fama dos inocentes; estrangule uma criança sorridente no colo de sua mãe; engane, arruine e despreze a bela garota que o ama e que em você confia, e o seu caso não está perdido; por todos estes e por todos os outros erros, você poderá ser perdoado. Por estes e todos os outros, a corte de justiça estabelecida pelo evangelho, lhe dará um perdão; mas negue a existência desses divinos fantasmas, desses deuses, e a doce e lacrimejante face do perdão se tornará lívida de ódio eterno. Os portões de ouro do céu se fecham, e você, com uma infinita maldição circundando as orelhas, com o fogo da infâmia nas sobrancelhas, começará a sua infinita peregrinação pelos lúgubres caminhos para o inferno -- e a tortura eterna -- um eterno excomungado -- um condenado imortal.
Um desses deuses, e um que exige nosso amor, nossa adoração e admiração, deu ao seu povo escolhido, como guia, as seguintes leis de guerra: "Quando vierdes para uma cidade à noite para lutar contra ela, então proclamais paz nela. E deverá ser que em resposta da paz, e abre-se em vós, então todas as pessoas que moram lá deverão ser vossos tributários, e eles deverão servir-vos. E se não fizerem paz convosco, mas fizerem guerra contra vós, então devereis vencê-los. E quando o Senhor vosso Deus os libertar para as vossas mãos, devereis atingir cada homem com a ponta da vossa espada. Mas as mulheres, crianças, o gado, e tudo o que há na cidade, todo o espólio que sobrar, devereis tomar para vós, e devereis comer o espólio dos vossos inimigos que o vosso Deus deixou para vós. Então devereis ir a toda cidade situada distante de vós, que não forem cidades dessas nações. Mas das cidades desses povos que o Senhor vosso Deus deu como herança, não devereis deixar vivo qualquer ser que respira."
É possível para o homem conceber algo mais perfeitamente infame? Poder-se-á acreditar que esses comandos tenham sido dados por um ser que não seja infinitamente cruel? Lembrem-se que o exército que recebeu estas instruções é o invasor. Paz era oferecida com a condição de que os derrotados se tornassem escravos dos invasores; mas se qualquer um tivesse a coragem de defender os seus lares, lutar pelo amor das suas esposas e filhos, então, a espada não pouparia ninguém -- nem mesmo um inocente e balbuciante bebé. E nós somos chamados para adorar esse Deus; a ajoelharmo-nos e dizer que ele é bom, que é misericordioso, que é justo, que é amor. Somos solicitados a sufocar cada nobre sentimento da alma, e a esmagar sob nossos pés todas as doces caridades do coração. Se nos recusarmos a idiotizarmo-nos -- se nos recusarmos a tornarmo-nos mentirosos -- somos denunciados, odiados, condenados ao ostracismo aqui, e esse mesmo deus nos ameaçará com o tormento eterno, a partir do momento em que a morte permitir que seu cruel bastão atinja as nossas almas indefesas e nuas. Deixem as pessoas odiar -- nós as educaremos, e nós desprezaremos e desafiaremos esse deus. 

(continua)

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