terça-feira, 24 de novembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte III

(continuação)

Algumas nações tomaram emprestados os seus deuses; entre essas, somos obrigados a admitir, a nossa própria. Os judeus, cessando de existir como país, sobrando um deus inútil, nossos antepassados o adoptaram, assim como o seu diabo ao mesmo tempo. Este deus emprestado permaneceu como fonte de adoração, e este diabo adoptado excita a apreensão do nosso povo. Ainda se supõe que ele instala as suas armadilhas e fareja com o propósito de flagrar nossas almas incautas, e ele ainda, com algum sucesso, provoca guerras contra o nosso Deus. Para mim é fácil dispor destas ideias a respeito de deuses e diabos. Eles são uma produção artificial. O homem criou-os a todos, e sob as mesmas circunstâncias os criaria novamente. O homem não só criou todos esses deuses, como criou também todo o material que os circunda. Geralmente os deuses eram modelados a partir deles mesmos, e demos a eles mãos, cabeças, pés, olhos, orelhas e órgãos da fala. Cada nação fez os seus deuses falar apenas a sua própria língua. Da mesma forma, colocou na sua boca os mesmos enganos em história, astronomia e geografia, e em todos os assuntos que aqueles povos conheciam. Nenhum deus era mais avançado que os povos que os criaram. Os negros representavam os seus deuses de cor escura e cabelos crespos. Os dos mongóis tinham os olhos amendoados e a mesma tonalidade da pele. Os judeus não se permitiam fazer pinturas dos seus; se houvesse gravuras, veríamos um deus com face oval, e um nariz aquilino. Zeus era um perfeito grego. E Javé, parecia até um membro do Senado romano. Os deuses egípcios tinham o mesmo aspecto paciente e o rosto plácido que tinham as simpáticas pessoas que os inventaram. Os deuses dos nórdicos eram representados invariavelmente usando roupas de pele, e bem agasalhados; os dos trópicos eram representados nus. Os deuses da Índia eram frequentemente representados sobre elefantes; os deuses de habitantes de ilhas eram sempre bons nadadores, e os deuses dos habitantes do ártico gostavam de óleo de baleia. Quase todos os povos pintaram ou esculpiram representações dos seus deuses, e essas representações eram, pelas classes mais baixas, tratadas como deuses reais, para a imagem dos seus deuses eles dirigiam orações e sacrifícios. Em alguns países, até nos nossos dias, se um povo, após longas orações, não tinha os seus desejos atendidos, eles deitavam as suas imagens fora, como deuses inúteis, ou os detratavam da maneira mais reprovável, lançando sobre eles golpes e maldições: "Como podes agora, espírito cão", eles diziam, "nós te alojámos num templo magnífico, adornámos-te com ouro, oferecemos-te incenso, alimentámos-te com as nossas melhores comidas; e depois de toda esta dedicação, recusas atender o nosso pedido?" Depois derrubavam o deus e deitavam-no fora. Se, eventualmente depois eles obtinham o que desejavam, então, com uma grande cerimónia, o apanhavam de volta, lavavam-no e limpavam-no, colocavam-no de volta no seu trono, e se desculpavam pelo que haviam feito. "Na verdade" eles diziam, "nós somos muito maus, e tu és infinito na tua bondade. Mas o que foi feito está feito. Não pensemos mais nisto. Se esqueceres o que aconteceu, nós te devolveremos o brilho novamente." O homem nunca sofreu falta de deuses. Ele adorava quase tudo, inclusive os seres mais repugnantes. Ele tem adorado o fogo, a terra, o ar, a água, a luz, estrelas, e por centenas de anos, ele se tem curvado diante de serpentes. Povos selvagens têm feito sacrifício para objectos que eles recebiam dos civilizados. Os Todas adoravam um chocalho de vaca. Os Kotas adoravam duas placas de prata, que eles consideravam como sendo marido e mulher. O homem, sendo sempre fisicamente superior à mulher, torna compreensível por que a maioria dos deuses são do sexo masculino. Se fosse o contrário, o responsável pelas forças da natureza seria mulher e, em vez de representados com armas masculinas, seriam adornados com colares, vestidos e usariam cabelos longos. Nada tem sido mais claro que o facto de todas as nações terem dado aos seus deuses as suas próprias características, e que cada indivíduo dá a seu deus suas próprias peculiaridades. O homem não tem qualquer ideia além daquelas sugeridas pelo seu ambiente. Ele não pode conceber nada completamente diferente de tudo o que ele vê e sente. Ele pode exagerar, aumentar, diminuir, combinar, separar, melhorar, multiplicar, embelezar, deformar e comparar o que ele vê, sente e ouve, e tudo de que ele toma conhecimento através de seus órgãos dos sentidos; mas ele não pode criar. Vendo exposição de força ele pode dizer, omnipotente. Tendo vivido, ele pode dizer, imortalidade. Sabendo algo sobre o tempo, ele pode dizer, eternidade. Concebendo algo de inteligente, ele diz, Deus. Vendo exibições de maldade, ele diz, diabo. Um pouco de felicidade caindo nas suas vidas, e ele diz, céu. Dor, sob suas mais diferentes formas, ao experimentar ele diz, inferno. Na verdade todas estas ideias têm um fundamento em factos, e só um fundamento. Tudo se limita a um exagero, diminuição, combinação, separação, combinação, deformação, embelezamento, melhoramento, ou multiplicação da realidade, de modo que a construção não é nada mais que o agrupamento incongruente de tudo aquilo que é percebido pelos órgãos dos sentidos. É como se déssemos a um leão as asas de uma águia, os chifres de um búfalo, a cauda de um cavalo, a sacola de um canguru, o tronco de um elefante. Nós então criamos na imaginação um monstro impossível, e na verdade, as diferentes partes desse monstro de facto existem. Assim é com todos os deuses que o homem fez. Além da natureza, o homem não pode ir nem em pensamento -- ou acima da natureza ele não pode ir -- abaixo da natureza ele não pode descer. O homem, na sua ignorância, supõe que todos os fenómenos são produzidos por uma força inteligente, e com directa referência a ele. Preservar relações amigáveis com essas forças, sempre foi e tem sido o objectivo de todas as religiões. O homem se ajoelha de medo e implora ajuda, ou faz isso em gratidão a algum favor que ele supõe que lhe foi dado. Ele procura, através da súplica, acalmar algum ser que, por alguma razão, crê ele, está enraivecido. Os relâmpagos e trovões o assustam. Na presença de um vulcão ele se ajoelha. As grandes florestas, cheias de animais selvagens, com serpentes enormes enroscando-se nas suas profundezas, o mar profundo, os cometas, os eclipses sinistros, a assustadora calma das estrelas, e mais que tudo, a perpétua presença da morte, o convenceram de que o homem era o passatempo e a presa de forças malignas. As estranhas e assustadoras doenças que o afligiam, os calafrios e a febre, as contracções da epilepsia, as paralisias súbitas, a escuridão da noite, e os sonhos terríveis, fantásticos e selvagens que enchem a sua mente convenceram-no de que era assombrado por numerosos espíritos e diabos. Por alguma razão supôs que alguns desses espíritos diferiam em poder -- que nem todos eram igualmente malevolentes -- que os mais elevados controlavam os mais baixos, e que nossa sobrevivência dependia de ganhar assistência dos mais fortes. Por esta razão, ele decidia rezar, agradar, adorar e oferecer sacrifícios. Estas ideias parecem ser quase universais no homem incivilizado. Por muito tempo todos os povos supunham que os loucos e doentes eram possuídos por espíritos maus. Por muitos anos a prática da medicina consistia em expulsar esses demónios. Usualmente o sacerdote procurava fazer o máximo de barulho possível. Eles sopravam trombetas, batiam em tambores, agitavam chocalhos, e emitiam gritos terríveis. Se os remédios ruidosos falhassem, eles imploravam pela ajuda de outros espíritos mais poderosos. Pacificar os espíritos era considerado de fundamental importância. Os pobres bárbaros, sabendo que os homens poderiam ser dominados por venenos, davam aos espíritos aquelas substâncias que consideravam de maior valor. Com o coração partido eles entregavam aos espíritos o sangue de seus filhos. Era para eles impossível conceber um deus totalmente diferente deles próprios e eles acreditavam que essas forças do ar poderiam ser afectadas um pouco pela visão de tão profunda tristeza. Foi com os bárbaros, assim como com os civilizados agora -- que uma classe vivia através da mercantilização do medo dos outros. Certas pessoas se colocavam na função de acalmar os deuses, e a instruir os outros sobre seus deveres para com esses seres invisíveis. Isto foi o início dos sacerdotes. Eles fingiam colocar-se entre a crueldade dos deuses e o desamparo do homem. Eram os advogados humanos na corte do céu. Eles carregavam ao mundo invisível a bandeira da trégua, do protesto, do requerimento. Eles voltavam com a autoridade, o comando e a força. Os homens ajoelhavam-se diante dos seus próprios servos, e o sacerdote, obtendo vantagem das suas acções inspiradas pela sua suposta influência com os deuses, fazia dos seus semelhantes uns hipócritas rastejantes e uns escravos. Até Cristo, um suposto filho de um deus, ensinava que as pessoas eram possuídas por demónios, e frequentemente, de acordo com os relatos, dava provas da sua divina origem e missão, assustando multidões de demónios para fora dos seus infelizes concidadãos. Expulsar demónios era a sua principal função, e os demónios expulsos geralmente aproveitavam a situação para reconhecê-lo como verdadeiro messias; o que não era muito conveniente para eles, mas que o beneficiava.

(continua)

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