quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte VII

(continuação)

Sem duvidar, os religiosos insistem que nada pode existir sem uma causa; excepto a causa, e que esta causa sem causa é Deus. Para isto nós novamente respondemos: Toda causa tem de produzir um efeito, porquanto até que produza o efeito, não é uma causa. Todo efeito tem, por seu turno, tornar-se uma causa. Portanto, na natureza das coisas, não poderá haver uma última causa, pela razão de que a chamada última causa necessariamente produziria um efeito, e este efeito necessariamente se tornaria uma causa. o contrário destas proposições tem de ser verdadeiro. Todo efeito tem de ter tido uma causa, e toda causa tem de ter um efeito. Portanto, não poderá existir uma primeira causa. Uma primeira causa é tão impossível quanto um último efeito.
Além do Universo não há nada e dentro do Universo o sobrenatural não existe nem pode existir. No momento em que estas grandes verdades forem entendidas e admitidas, a crença numa providência geral o especial tornar-se-á impossível. A partir desse instante o homem cessará os seus esforços vãos para agradar a um ser imaginário, e gastará o seu tempo e atenção para os afazeres deste mundo. Ele abandonará qualquer esforço de conseguir qualquer objectivo pela oração e súplica. O elemento de incerteza será, em grande parte removido do domínio do futuro e o homem, ganhando coragem a partir de sucessivas vitórias sobre as obstruções da natureza, atingirá uma serenidade totalmente desconhecida aos discípulos de qualquer superstição. Os planos da humanidade não sofrerão mais a interferência de uma suposta omnipotência, e ninguém acreditará mais que nações ou indivíduos são protegidos ou destruídos por qualquer divindade. Ciência, protegida das algemas de fregueses devotos ou evangélicos preconceituosos, será, dentro da sua esfera, suprema. A mente investigará sem reverência e publicará as suas conclusões sem medo. Agassiz não hesitará em declarar o mosaico da Cosmogonia totalmente inconsistente com as verdades demonstradas da geologia e cessará de fingir qualquer consideração pelas Escrituras Judaicas. No momento em que a ciência for bem-sucedida em negar à Igreja força à maldade, os verdadeiros pensadores triunfarão. As pequenas bandeiras da trégua, carregadas por tímidos filósofos desaparecerão, e a discussão covarde dará lugar à vitória duradoura e universal. Se admitirmos que um ser infinito controla o destino de pessoas e povos, a história se tornará uma farsa sangrenta e cruel. Eras após eras, os fortes triunfaram sobre os fracos; os poderosos e sem coração atacaram e escravizaram os simples e inocentes, e em nenhum lugar dos anais da Humanidade, se tem notícia de qualquer deus que tenha apoiado os inocentes e oprimidos. O homem cessará de esperar apoio dos céus. A partir daí ele compreenderá que os céus não possuem ouvidos para ouvir, ou mãos para ajudar. O presente é a criança necessária de todo o passado. Não há qualquer chance e não haverá qualquer interferência. Se abusos são destruídos, o homem deverá destruí-los. Se escravos são libertados, o homem deverá libertá-los. Se novas verdades são descobertas, o homem deverá descobri-las; Se os nus são vestidos; se os famintos são alimentados; se a justiça é feita; se o trabalho é remunerado; se a superstição é expulsa da mente; se os indefesos são protegidos e se o correcto finalmente triunfa, tudo terá sido obra do homem. As grandes vitórias do futuro serão vitória dos homens, e somente deles. A natureza, até onde sabemos, sem paixão e sem intenção, forma, transforma, retransforma para sempre. Ela nunca chora nem se alegra. Ela produz o homem sem propósito, e o obstrui sem arrependimento. Ela não conhece distinção entre o benéfico e o pernicioso. Veneno e nutriente, dor e alegria, vida e morte, sorrisos e lágrimas são a mesma coisa para ela. Ela não é nem piedosa nem cruel. Ela não pode moldar-se por oração nem ser amolecida por lágrimas. Ela não conhece sequer a finalidade da reza. Ela não diferencia o veneno das presas da serpente da misericórdia do coração do homem. Só através do homem a natureza toma conhecimento do bem, da verdade, da beleza; e até onde sabemos, o homem é a maior inteligência. E no entanto o homem continua a acreditar que há uma força independente e superior à natureza, e ainda procura, pela cerimónia, súplica, hipocrisia e sacrifício, obter ajuda dela. As suas melhores energias têm sido desperdiçadas em benefício desse fantasma. Os horrores da bruxaria se originaram de uma crença ignorante na existência de um ser depravado superior à natureza agindo independentemente das suas leis. E todas as religiões supersticiosas têm na sua base a crença em dois seres, um bom e outro mau, cada qual de sua maneira possuindo poderes para mudar a ordem da natureza. A história das religiões é simplesmente a história dos esforços humanos de todas as épocas para evitar uma dessas forças e pacificar a outra. Ambas as forças têm inspirado menos que o medo abjecto. A esperteza fria e calculista do diabo, e a ira de Deus, são igualmente terríveis. Em qualquer situação, o destino do homem teria sido fixado para sempre por uma força desconhecida superior a todas as leis e a todos os factos. Até que esta crença seja afastada, o homem deve considerar-se um escravo de mestres fantasmas  nenhum dos dois promete liberdade nem nesta vida nem numa outra. O homem precisa aprender a confiar em si próprio. Ler a Bíblia não o defenderá dos rigores do Inverno, mas sim casas aquecidas, lareiras e roupas adequadas. Para evitar a fome um arado vale mais que mil sermões e os medicamentos curam muito mais doentes que todas as orações já proferidas desde o princípio do mundo. Apesar de muitos homens terem tentado harmonizar a necessidade de livre arbítrio, a existência do mal, a infinita força e bondade de Deus, eles têm conseguido apenas produzir e aprender as falhas evidentes. Imensos esforços têm sido lançados em reconciliar ideias totalmente inconsistentes com os factos dos quais nós estamos cercados, e as falhas das pessoas que têm fracassado em perceber a suposta reconciliação têm sido acusados de infiéis, ateus e zombadores. Toda a força da Igreja tem sido lançada para atingir filósofos e cientistas para impeli-los a negar a autoridade da demonstração, e a induzir algum Judas a trair a razão, um dos salvadores da Humanidade. Durante aquela assustadora época chamada de "Era das Trevas", a fé reinava com quase nenhuma acção de rebeldia. Os seus templos eram atapetados com joelhos e a riqueza das nações adornavam os seus incontáveis santuários. Os grandes génios imortais prostituíram-se para imortalizar os seus caprichos, enquanto os poetas a santificavam em canção. Com as suas ofertas, cobriram a terra com sangue, as escalas da justiça se modificavam com o seu ouro, e para o seu uso foram inventados os mais ardilosos instrumentos de tortura. Ela construiu catedrais para Deus. E masmorras para os homens. Ela povoou as nuvens com anjos e a terra com escravos. Por séculos o mundo tem retraçado os seus passos  indo directamente de volta à noite de barbárie! Uns poucos infiéis  uns poucos hereges gritaram: "Pare!" Para a grande turba de devoção ignorante, e tornaram possível para os génios do século dezanove revolucionar as crenças cruéis e supersticiosas da Humanidade.
As ideias do homem, com objectivo de ter real valor, devem ser livres. Sob influência do medo, o cérebro fica paralisado, e em vez de resolver corajosamente um problema sozinho, trémulo, adopta as soluções de outro. Desde que a maioria dos homens se curvam sobre o chão diante de qualquer príncipe ou rei, o que deverá ser sua infinita insignificância de suas pequenas almas diante de seu suposto criador ou Deus? Sob tais circunstâncias que valor terão as suas ideias? A originalidade da repetição, e o vigor mental da aquiescência é tudo o que temos direito de esperar do mundo cristão. Desde que todas as perguntas possam ser respondidas pela palavra "Deus", pesquisa científica é simplesmente impossível. Tão logo os fenómenos são satisfatoriamente explicados, o domínio da força suposta de ser superior à natureza decresce, enquanto o horizonte do conhecimento deve continuamente alargar-se. Não é mais possível descrever a queda e ascensão de nações dizendo: "É o desejo de Deus". Esta explicação coloca ignorância e educação em situação de igualdade, e elimina na verdade a ideia de realmente explicar qualquer coisa que seja. Irá o religioso fingir que a finalidade real da ciência á assegurar como e por que Deus age? A ciência, sob este ponto de vista, consistiria em investigar a lei da acção arbitrária, e uma grande busca para assegurar as leis necessariamente obedecidas por um infinito capricho. Sob um ponto de vista filosófico, ciência é o conhecimento das leis da vida; das condições de felicidade; dos factos que nos cercam, e as relações que mantemos entre homens e coisas; o homem pode por assim dizer, dominar a natureza e dobrar as forças elementares para o seu benefício, tornando forças cegas ao serviço da sua mente. A crença numa providência especial deita fora o espírito de investigação e é inconsistente com o esforço pessoal. Por que o homem enfrentaria os desígnios de Deus? Qual de vocês, ao pensar, poderia adicionar um pouco que fosse a sua estatura? Sob a influência desta crença, o homem, aquecendo-se sob o sol da ilusão, olha os lírios do campo e se recusa a ter qualquer pensamento sobre o amanhã. Acreditando-se sob influência de uma força infinita que pode, a qualquer momento, atirá-lo até as profundezas do inferno ou elevá-lo às alturas dos céus, ele abandona, necessariamente, a ideia de realizar algo que seja por seu próprio esforço. Quando esta crença era geral, o mundo era preenchido com ignorância, superstição e miséria. As energias do homem eram gastas em esforço vão para obter a ajuda desta força, suposta de ser superior à natureza. Por muito tempo até seres humanos eram sacrificados nos altares deste deus impossível. Para agradá-lo, mães derramavam o sangue dos seus próprios bebés; mártires cantavam canções triunfantes no meio das chamas; padres molhavam-se de sangue; freiras renunciavam ao êxtase do amor; velhos homens trémulos imploravam; mulheres soluçavam e suplicavam; todas as dores eram suportadas e todo o horror era perpetrado. Por todos os longos anos que já passaram, a humanidade sofreu mais do que podemos conceber. O maior do sofrimento foi experimentado pelo fraco, o amoroso e o inocente. Mulheres foram tratadas como bestas venenosas, e criancinhas esmagadas como se fossem vermes. Milhares de altares foram tingidos com o sangue até de bebés; belas donzelas eram oferecidas a serpentes pegajosas; povos inteiros condenados a séculos de escravidão, e em toda a parte havia ultraje além da força do génio para exprimir. Durante todos esses anos os sofredores suplicavam; os lábios secos da fome rezavam; as vítimas pálidas imploravam, e os céus permaneceram cegos e surdos.

(continua)

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