(continuação)
As cerimónias continuam, mas a
antiga fé está-se apagando no coração do homem. O argumento gasto deixa de
convencer e as denúncias de que antes empalideciam as faces de uma raça, hoje
causam galhofa e desgosto. Enquanto o tempo passa, os milagres se tornam
menores e mais raros e as evidências que nossos pais achavam conclusivas falham
totalmente em nos convencer. Há um conflito inconciliável entre religião e
ciência, e ele não pode ocupar o mesmo cérebro no mesmo mundo. Enquanto afasto
todas as crenças, enquanto nego as verdades de todas as religiões, não há em
meu coração nem em meus lábios qualquer desprezo pelas almas esperançosas,
amorosas e suaves que crêem que dessa discórdia resultará uma perfeita
harmonia; que todo o mal se tornará de algum modo, bem, e que em toda parte há
um ser que, de alguma forma irá requisitar e glorificar cada um dos filhos dos
homens; mas para aqueles que impiedosamente tentam provar que a salvação é
quase impossível; que a condenação é quase certa; que a avenida do universo
leva para o inferno; que enchem o mundo com medo a morte com horror; que
amaldiçoam o berço e caçoam da tumba, é impossível ter algum sentimento além de
piedade, desprezo e ironia. Razão, Experimentação e Observação a Santíssima Trindade da Ciência ensinaram-nos que a felicidade é o único bem;
que a hora de ser feliz é agora, e o caminho para ser feliz é também trazer
este sentimento para os outros. Isto é o suficiente para nós. Com esta crença
estamos contentes em viver e morrer. Se por qualquer possibilidade a existência
de uma força superior e independente da natureza for demonstrada, haverá tempo
suficiente para nos ajoelharmos. Até lá, permaneçamos erectos. Considerando-se
o facto de que os infiéis de todas as épocas têm defendido os direitos do
homem, e em todos os tempos têm sido os destemidos advogados da liberdade e
justiça, somos sempre acusados pela Igreja de estarmos demolindo sem
reconstruir novamente. A Igreja deveria saber já que é impossível roubar dos
homens as suas opiniões. A história das perseguições religiosas estabeleceu o
facto de que a mente sempre resiste e desafia qualquer tentativa de controlá-la
através da violência. A mente sempre abraça velhas ideias antes estar preparada
para uma nova. Quando compreendemos a verdade, todas as falsas ideias são
necessariamente postas de lado. Um cirurgião certa vez foi chamado para que
oferecesse qualquer assistência que pudesse a um inválido. O cirurgião começou
a explicar detalhadamente sobre a natureza da doença; sobre as propriedades
curativas de certas drogas; das vantagens do exercício, do ar fresco, da luz e
das várias formas com as quais a saúde pode ser restaurada. Todas as
observações faziam tanto sentido e demonstravam tanta sabedoria e conhecimento,
que o aleijado, ficando alarmado, gritou: "Não leve minhas muletas, eu
imploro ao senhor. Elas são meu único apoio, e sem elas estarei em situação
miserável!" "Eu não levarei as suas muletas", disse o cirurgião,
"Irei curá-lo, e só então você mesmo jogará fora as suas muletas”. Os
caprichos das nuvens propõem os infiéis substituir pelas realidades da terra; a
superstição, pelas esplêndidas demonstrações da ciência; e a tirania teológica,
pela irrefreável liberdade de pensamento. Não afirmamos que descobrimos tudo;
que as nossas doutrinas são a verdade final. Não achamos que haja um fim para
as descobertas do homem. Não poderemos desvendar as infinitas complicações da
matéria e da força. A história de um nómada é tão misteriosa como a história do
universo; uma gota d'água é tão maravilhosa como os mares; um monte, como as
florestas; e um grão de areia, como todas as estrelas. Não estamos buscando
atingir o futuro, mas libertar o presente. Não estamos forjando correntes para
nossos filhos, mas tentando quebrar aquelas que nossos pais colocaram em nós.
Somos os advogados do questionamento, da investigação e do pensamento. Isto
prova que não estamos satisfeitos com todas as nossas conclusões. Filosofia não
possui o egoísmo da fé. Enquanto a superstição constrói muros e cria
obstruções, ciência abre todas as estradas do pensamento. Não fingimos ter circum-navegado
tudo e ter resolvido todas as dificuldades, mas sabemos que é melhor amar os
homens que temer deuses; que é mais nobre investigar e pensar por nós mesmos
que repetir uma oração. Estamos satisfeitos em ter um pouco de liberdade aqui
na terra em vez de adorar um tirano lá no céu. Não pretendemos resolver tudo
que nos cerca; mas pretendemos fazer tudo de bom que pudermos e lançar todo o
esforço que for possível na causa sagrada do progresso humano. Sabemos que
eliminando deuses e forças sobrenaturais não é um fim por si só. É apenas um
meio: o fim é conseguir a felicidade do homem. Derrubar florestas não é a
finalidade da agricultura. Expulsar piratas dos mares não é a finalidade do
comércio. Estamos lançando as fundações do grande templo do futuro, e não o
templo dos deuses, mas o templo dos homens no qual, com os rituais apropriados,
será celebrada a religião da humanidade. Estamos fazendo o pouco que for
possível para apressar a vinda de um dia em que a sociedade deixará de produzir
milionários e mendigos indolência em excesso e indústria esfomeada verdade em farrapos e a superstição coroada e
com batina. Estamos buscando o tempo em que o útil será honrado; e a Razão,
coroada no trono do cérebro do mundo, será a Rainha das Rainhas, e o Deus dos
Deuses.
FIM
https://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Green_Ingersoll
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