domingo, 6 de dezembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte IX



(continuação)

Depois de muitos séculos de pensamento, começou a ver que rezar junto com o padre não provoca um terremoto. Ele percebeu, com uma forte dose de espanto, que pessoas boas eram também às vezes fulminadas por um raio, enquanto que algumas muito más, escapavam. Ele era frequentemente forçado à conclusão dolorosa (e é a mais dolorosa que um ser humano experimenta) que nem sempre o bem prevalece. Viu que os deuses não interferem em benefício dos fracos e inocentes. Ele agora está surpreso ao se ver como um não crente e experimentando a felicidade e gozando de excelente saúde. Ele finalmente se certifica de que não poderia haver nenhuma conexão possível entre um inverno particularmente rigoroso e sua omissão em dar um carneiro à paróquia. Começou a suspeitar que a ordem do universo não era constantemente modificada para ajudá-lo por repetir uma crença. Ele percebeu que uma criança não raramente roubava após ter sido baptizada. Viu uma abissal distância entre religião e justiça e que os adoradores do mesmo deus certas vezes se deleitavam em cortar as gargantas uns dos outros. Presenciou as disputas religiosas enchendo o mundo de ódio e escravidão. Por fim, teve a coragem de suspeitar que nenhum deus em qualquer época, interfere com a ordem dos eventos. Ele aprendeu alguns factos e constatou que esses factos positivamente recusavam-se a harmonizar-se com a ignorância supersticiosa dos seus pais. Achando os livros sagrados incorrectos e falsos em alguns aspectos, sua fé na autenticidade começou a abalar-se; achando seus padres ignorantes em alguns pontos, ele começou a perder o respeito por ambos. Este foi o princípio da liberdade intelectual.
A civilização do homem tem crescido na mesma medida em que a força da religião tem decaído. O avanço intelectual do homem depende de até que ponto ele pode substituir uma velha superstição por uma nova verdade. A Igreja não admite que o homem faça qualquer uma dessas trocas; pelo contrário, toda a sua força está em evitá-las. Apesar da Igreja, entretanto, o homem descobriu que alguns de seus conceitos religiosos estavam errados. Lendo a Bíblia, ele descobriu que as ideias de Deus eram as mais cruéis e brutais que aquelas do mais depravado selvagem. Ele também descobriu que o seu livro sagrado estava cheio de ignorância, e que ele devia ter sido escrito por pessoas totalmente sem conhecimento sobre os fenómenos naturais que nos circundam; e agora alguns homens têm a bondade e honestidade de expressar seus pensamentos honestos. Em todas as épocas alguns pensadores, alguns que duvidavam, alguns investigadores, alguns que odiavam a hipocrisia, alguns que desprezavam a vergonha, alguns bravos amantes do direito, têm, orgulhosamente, alegremente e heroicamente derrubado a fúria ignorante da superstição em benefício do homem e da verdade. Esses divinos homens eram feitos em pedaços pelos adoradores dos deuses. Sócrates foi obrigado a tomar veneno por ter negado reverência a algumas divindades. Cristo foi crucificado por uma turba de religiosos sob a acusação de blasfémia. Nada é tão gratificante para um religioso que destruir seus inimigos sob o comando do seu deus. Perseguição religiosa é resultado da mistura entre amor a Deus e ódio ao homem. As terríveis guerras religiosas que inundaram o mundo com sangue tendem ao menos a condenar todas as religiões à desgraça e ódio. Pessoas que pensam começaram a questionar a origem divina das religiões que fizeram seus seguidores considerar os direitos dos outros com desprezo. Uns poucos começaram a comparar o Cristianismo com as religiões pagãs, e se viram forçados a admitir que a diferença não valia a pena considerar. Eles então perceberam que outras nações eram até mais felizes e prósperas que suas próprias. Começaram a suspeitar que a sua religião, na verdade, não tinha muito valor. Por trezentos anos os cristãos do mundo procuraram resgatar o sepulcro vazio de Cristo dos "infiéis". Por trezentos anos os exércitos da cruz foram atacados e derrotados pelos vitoriosos anfitriões. Este fato marcante semeou as sementes da desconfiança em toda a Cristandade, e milhões começaram a perder sua confiança em um Deus que havia sido vencido por Maomé. As pessoas então descobriram que comércio faz amigos, enquanto religiões fazem inimigos, e que o zelo religioso era totalmente incompatível com a paz entre nações e indivíduos. Eles descobriram que aqueles que mais amavam um deus eram os menos aptos a amar o homem, que a arrogância do perdão universal era ridícula, e que os mais cruéis tinham a afronta de rezar pelos seus inimigos, e que a humildade e tirania eram fruto da mesma árvore. Durante muito tempo um conflito mortal era travado entre uns poucos bravos homens e mulheres de ideias de um lado, e a grande massa de religiosos ignorantes da outra. Era a guerra entre a ciência e a fé. Os poucos apelavam para a razão, honra, lei, a liberdade, o conhecimento e a felicidade aqui neste mundo. Os muitos apelavam para o preconceito, o medo, o milagre, a escravidão, o desconhecido e para a miséria daqui. Os poucos diziam: "Pensem!" Os muitos gritavam: "Acreditem!" A primeira dúvida foi o útero e o berço do progresso, e da primeira dúvida o homem continuou avançando. Começou a investigar e a Igreja começou a opor-se. O astrónomo rastreava o céu enquanto a Igreja rotulava sua testa de "infiel", e agora nenhuma estrela em todo o firmamento leva um nome cristão. Apesar de todas as religiões, os geólogos estudaram a terra, leram a história nos livros de pedra, e encontraram, escondidos no seu interior, lembranças de todas as épocas. Velhas ideias pereceram nos laboratórios de Química e verdades úteis tomaram o seu lugar. Um por um, os conceitos religiosos foram colocados sob o olhar da ciência, e logo depois, nada além de lixo foi encontrado. Um novo mundo foi descoberto pelo microscópio; em toda a parte encontraram o infinito; em toda direcção o homem investigava e explorava e em nenhum lugar, nas estrelas e na terra, não foram encontradas as pegadas de nenhum ser superior ou independente da natureza. Em lugar nenhum foi descoberta a mais ténue evidência de qualquer interferência externa. Estas são as verdades sublimes que permitem ao homem deitar fora o cabresto da superstição. Estes são os factos esplêndidos que tomam o cetro da autoridade das mãos do sacerdote. No vasto cemitério chamado passado, está a maior parte das religiões do homem, e lá, também, estão também quase todos os seus deuses. Os templos sagrados da Índia já são ruínas há longo tempo atrás. Sobre colunas e cornijas; sobre as paredes desenhadas e pintadas, vicejam e se espalham plantas trepadeiras. Brama, o ouro, com quatro cabeças e quatro braços. Vishnu, a sombra, o que castiga os maus, com seus três olhos, seu crescente, com seu colar de crânios; Shiva, o destruidor, vermelho com mar de sangue; Kali, a deusa; Draupadi, com braços brancos; e Krishna, o Cristo, todos se foram e deixaram o trono dos céus abandonados. Ao longo da beira do sagrado Nilo, Ísis não mais vagueia chorando, procurando o defunto Osíris. A sombra da carranca de Tifon não cai mais nas ondas. O sol nasce como outrora, e seus raios dourados ainda atingem os lábios de Menon, mas Menon está tão mudo quanto a Esfinge. As múmias empoeiradas ainda esperam pela ressurreição prometida pelos sacerdotes, e as velhas crenças registadas em curiosas pedras esculpidas, dormem no mistério de uma língua morta e perdida. Odin, o autor da vida e da alma, Vili e Ye, e o poderoso gigante Ymir, debandaram há muito tempo das geladas paisagens do norte; e Tor, com luvas de ferro e sua clava flamejante, não mais esmaga montanhas. Os antigos círculos e cromeleques dos druidas estão quebrados; caídos nos ermos das montanhas e cobertos com musgos de séculos. Os fogos divinos dos azetecas e da Pérsia se extinguiram nas cinzas do passado, e não há mais ninguém para reacendê-lo ou alimentar as chamas sagradas. A harpa de Orfeu está silenciosa; o caneco derramado de Baco foi deixado de lado; Vênus jaz morta, de pedra e seu seio branco não mais pulsa de amor. As correntezas ainda passam mas não há mais naiads para tomar banho; as árvores ainda balançam, mas nas clareiras da floresta nenhuma driad dança. Os deuses fugiram do monte Olimpo. Nem mesmo a mais bela das mulheres pode fisgá-los de volta. Desaparecidos para sempre estão os trovões do Sinai; perdidas estão as vozes dos profetas, e a terra, antes fluindo com leite e mel é agora um deserto. Um por um os mitos se desvaneceram com as nuvens: um por um, os fantasmas desapareceram, e um por um, factos, realidade e verdades tomaram seu lugar. O sobrenatural praticamente sumiu, mas o natural persiste. Os deuses voaram, mas o homem está aqui. Nações, como indivíduos, têm seus períodos de juventude, de maturidade e declínio. Religiões também. O mesmo destino inexorável aguarda todas elas. Os deuses criaram, mas as nações devem perecer com seus criadores. Elas foram criadas por homens, mas como homens, elas devem desaparecer. As divindades de uma era são a matéria-prima dos próximos. A religião dos nossos dias e do nosso país não está mais isenta de gozação daqueles que virão no futuro, do que os outros. Quando a Índia resplandecia, Brama triunfava no trono do mundo. Quando o ceptro passou para o Egipto, Ísis e Osíris receberam as homenagens da humanidade. A Grécia, com seu valor, tornou-se império e Zeus se tornou a autoridade. O mundo tremeu com a ameaça dos intrépidos filhos de Roma, e Jove agarrou com as mãos os raios do céu. Roma caiu, os cristãos, no seu território, com a espada vermelha da guerra, dominaram as nações do mundo, e agora Cristo senta sobre o velho trono. Quem será seu sucessor?
Dia após dia o crescimento religioso se torna menor. Dia após dia velhos espíritos se extinguem das crenças e livros. O entusiasmo fervoroso, o inextinguível zelo da primitiva Igreja não existe mais, para nunca mais voltar. 

(continua)

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