terça-feira, 1 de dezembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte VI

(continuação) 

Nada resta para o sobrenatural além de espaço vazio. Seu trono se torna desocupado, e sua realeza fica sem matéria, sem força, sem lei, sem causa e sem efeito.
Mas o que coloca toda esta matéria em movimento? Se matéria e força têm existido por toda a eternidade, então, matéria deve ter estado sempre em movimento, então não haverá qualquer força sem movimento. Força é sempre activa e não há, nem poderá haver parada. Se, então, força e matéria existem desde sempre, então assim também é o movimento. No universo não há sequer um átomo em repouso. Uma divindade fora da natureza existe no nada, e não é nada. A natureza abraça com seus infinitos braços toda a matéria e toda a força. Aquilo que está além do seu alcance é destituído de ambos, e dificilmente mereceria adoração mesmo de um homem. Só há uma maneira de demonstrar a existência de força independente ou superior à natureza, e seria pela quebra, por um só instante, da continuidade da causa e efeito. Tire da infinita cadeia da existência um único elo; Pare por um momento a grande procissão e você terá ido além de todas as contradições de que a natureza tem um mestre. Mude os factos, só por um segundo, que matéria atrai matéria, e um deus aparecerá. O mais rude selvagem sempre soube deste facto, e por esta razão, sempre exigiu a presença de um milagre. O fundador de uma religião sempre teve de ser capaz de transformar água em vinho -- curar com uma palavra o cego e o aleijado, ressuscitar com um toque, um morto. Era necessário para ele demonstrar aos seus bárbaros discípulos, que ele era superior à natureza. Em tempos de ignorância, isto era fácil de fazer. A credulidade dos selvagens era quase infinita. Para ele o maravilhoso era o belo, o misterioso era sublime. Consequentemente, em toda religião tem na sua fundação um milagre -- ou seja, uma violação da natureza -- ou em outras palavras, uma falsificação. Ninguém, em toda a história da humanidade, tentou substanciar a verdade com um milagre. A verdade exige a assistência de um milagre. Nada além da falsidade tem testado a si mesmo por sinais e o maravilhoso. Nenhum milagre jamais foi realizado, e nenhum homem são nunca pensou ter realizado um, e até que um seja feito, não há qualquer evidência da existência de uma força superior à natureza. A Igreja quer que acreditemos. Deixemos que a Igreja ou um dos santos intelectuais façam um milagre, e nós acreditaremos. Somos informados de que a natureza tem um superior. Deixemos este superior, por um instante que seja, controlar a natureza, e nós admitiremos a verdade no que a Igreja diz. Nós já ouvimos falar o suficiente. Nós já ouvimos todos estes sermões aborrecidos e enfadonhos que queríamos ouvir. Já lemos a sua Bíblia e as obras das suas melhores mentes. Já ouvimos as suas orações, os seus lamentos solenes, os seus reverentes améns. Isto tudo para menos que nada. Queremos um facto. Nós imploramos nas portas das suas Igrejas por só um pequeno facto. Nós passamos nossos chapéus por seus bancos e por seus púlpitos para suplicar por só um facto. Nós sabemos tudo sobre os seus milagres maravilhosos e as suas antigas maravilhas. Nós queremos um facto actual. Pedimos só um. Dê-nos um facto, por caridade! Os seus milagres são muito antigos. As suas testemunhas já estão mortas há dois mil anos. A sua reputação de "verdade e veracidade", entre os seus vizinhos é totalmente desconhecida entre nós. Dêem-nos um novo milagre e comprovem-no com testemunhas que tenham o hábito de ainda viverem neste mundo. Não nos enviem a Jericó para ouvir as trombetas curvas, nem nos coloquem no fogo com Sadrack, Meseck ou Abdenego. Não nos obriguem a navegar com o capitão Jonas nem jantar com Sr. Ezequiel. Não há qualquer utilidade em nos fazer caçar raposas com Sansão. Nós já perdemos todo o interesse naquele discurso tão eloquentemente proferido pelo jumento inspirado de Balaam. É pior que inútil nos mostrar peixes com moedas na boca ou chamar as nossas atenções para vermos multidões matando a fome com cinco biscoitos e duas sardinhas. Nós exigimos um novo milagre e agora. Deixem a Igreja produzir apenas um, ou calar-se para sempre. Nos velhos tempos a Igreja, violando as leis da natureza, provou a existência do seu Deus. Naquela época os milagres eram feitos com a mais incrível facilidade. Eles eram tão comuns que a Igreja ordenou aos seus sacerdotes para pararem. E agora, esta mesma Igreja -- tendo as pessoas encontrado um pouco de bom senso -- admite, não só que ela não pode fazer milagres, mas insiste que a ausência de milagres, a inexorável marcha entre causa e efeito, prova a existência de uma força superior à natureza. O facto é, entretanto, que a inexorável cadeia de causa e efeito demonstra exactamente o contrário. Sir William Hamilton, um dos pilares da moderna teologia, discutindo estas questões, usa a seguinte linguagem: "O fenómeno da matéria, considerado independentemente, muito longe de garantir a qualquer interferência sobre a existência de um Deus, iria pelo contrário, firmar até um argumento pela sua negação. O fenómeno do mundo material é sujeito a leis imutáveis; é produzido e reproduzido pelas mesmas sucessões invariáveis, e manifesta apenas a força cega da necessidade mecânica". A natureza nada mais é que uma série infinita de causas eficientes. Ela não pode criar, mas transformar eternamente. Não há um começo e não poderá haver um fim. As melhores mentes, mesmo no mundo religioso, admitem que, na natureza material não há nada do que eles gostam de chamar um deus. Eles encontram a sua evidência no fenómeno a que chamamos inteligência, e inocentemente afirmam que inteligência está acima, e consequentemente, oposta à natureza; eles insistem que o homem, pelo menos, é uma criação especial; e que ele tem em algum lugar do cérebro, uma chama divina, uma pequena porção da "Grande causa primordial". Eles dizem que matéria não pode causar pensamento; mas que pensamento produz matéria. Eles dizem-nos que o homem tem inteligência, e portanto deve existir uma inteligência superior à sua. E por que não dizer que, deus tendo inteligência, haveria uma inteligência superior à sua? Até onde sabemos, não há inteligência separado da matéria. Não podemos conceber um pensamento, excepto aquele produzido por um cérebro. A ciência através da qual eles demonstram uma inteligência impossível, e uma força incompreensível é chamada metafísica ou teologia. Os teólogos admitem que os fenómenos da matéria tendem, pelo menos a provar a não existência de um ser superior à natureza por que, em tais fenómenos, nós vemos nada além de uma eterna cadeia de causas eficientes -- nada além de forças de necessidade mecânica. Eles então apelam para o que eles denominam os fenómenos da mente para estabelecer esta força superior.
O problema é que nos fenómenos da mente nós encontramos a mesma cadeia eterna de causas eficientes; a mesma necessidade mecânica. Todo pensamento tem de ter tido uma causa eficiente. Todo o motivo, todo o desejo, todo o medo, toda a esperança, todo o sonho, tem de ser necessariamente produzido. Não há qualquer espaço na mente humana para a providência ou acaso. Os factos e forças que governam a mente são tão absolutas quanto aquelas que governam o movimento dos planetas. Um poema é produzido por forças da natureza, e é tão necessariamente e naturalmente produzido como mares e montanhas. Você procurará em vão um pensamento na mente humana sem uma causa eficiente. Toda a operação mental é o resultado necessário de certos factos e condições. Fenómenos mentais são considerados mais complicados que aqueles de matéria, e consequentemente mais misteriosos. Sendo mais misteriosos, eles são considerados as melhores evidências da existência de um deus. Ninguém supõe um deus do simples, do conhecido, do que é compreendido, mas do complexo, do desconhecido, do incompreensível. A nossa ignorância é Deus; o que sabemos é ciência. Quando abandonamos a doutrina de que um ser infinito criou a matéria e força, e decretamos um código de leis para o seu governo, a ideia da interferência estará perdida. O real sacerdote será, não o porta-voz de um suposto deus, mas um intérprete da natureza. A partir daí a Igreja deixará de existir. As velas se consumirão sobre os altares empoeirados; o fungo comerá o tecido de veludo dos púlpitos e dos bancos; a Bíblia tomará o seu lugar junto com os Sastras, Puranas, Vedas, Eddas, o Corão e os livros velhos da degradante fé desaparecerão das mentes dos homens. "Mas", dizem os religiosos, "você não pode explicar tudo; não pode entender tudo; e o que você pode entender, é o meu Deus." Estamos explicando mais a cada dia; Estamos entendendo mais a cada dia; consequentemente, seu deus está ficando a cada dia, menor.

(continua)


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