Pois, meus amigos, foi mesmo assim. Sexta feira passada fui ao cinema com a
mulher, coisa natural e corriqueira que fazemos muitas vezes. Normalmente vou
ao Corte Inglês, fica em bom caminho e meto o carro no parque pelo custo dos
bilhetes que já são de terceira idade. Chego sempre perto da hora do começo do
filme, deixo a minha mulher à porta, ela sobe e compra os bilhetes enquanto
procuro lugar para o carro. Chego lá a cima, ela estava ao balcão, o
funcionário entrega-me os talões e diz-me: “Sala 13”. Entro, dirijo-me à sala e sentámo-nos. Começa o filme e eu que tinha dito á minha mulher para comprar
para o “Correio de Droga” do Clint Eastwood, começo a estranhar as imagens.
Perguntei baixinho: “Para que filme pediste bilhetes?” ao que ela responde: "para
o Correio de Droga". Conclusão: O funcionário vendeu-lhe bilhetes para
outro filme, vá lá saber-se porquê. Ou estava distraído ou percebeu mal, mas
tudo bem. A coisa até não foi má, pois acabei por ver um filme muitíssimo bom.
Green Book é um filme muito premiado baseado numa história verídica,
dirigido por Peter Farrelly, cujo argumento foi escrito por ele com a
colaboração de Nick Vallelonga, filho de Franck Vallelonga,
protagonista principal da história.
Um segurança, italo-americano, de uma discoteca que
fecha para remodelações, fica momentaneamente desempregado e aceita um emprego
como motorista de um pianista clássico, negro, Dr. Don Shirley, que aceita uma
tournée de dois meses pelos estados do Sul dos USA.
Estão mesmo a ver o que se vai passar: Um branco,
bonacheirão, inculto e um pouco irrascível, a conduzir um negro, rico, culto e
digno, pelos estados racistas do sul nos anos 60, em que o pianista é recebido
e aplaudido nos concertos, mas que não é socialmente aceite nos ambientes só
destinados a brancos.
Durante a viagem ambos se vão conhecendo e absorvendo,
a cultura um do outro, com todos os conflitos inerentes à disparidade de
feitios. O negro culto, aceitando sem conflitos aquilo que lhe é imposto, e o
seu irascível motorista, conhecido por “Tony Lip” habituado a resolver por
métodos violentos, os conflitos da discoteca, cria toda a espécie de sarilhos,
partindo muitas vezes para a violência contra as mentalidades fascistas e
racistas dos brancos do sul da América.
Diga-se de passagem, que o espectador, não racista,
exulta de alegria quando aqueles energúmenos levam uns murros bem assentes na
cremalheira. Situações constrangedoras são apresentadas ao negro, ao ponto de
no meio de um concerto, de smoking impecável, querer ir à casa de banho e o mandam
para uma retrete, nas traseiras, de madeira tipo pocilga. Claro que o “maître”
leva umas boas punhadas no focinho, que o nosso motorista lhe aplica e os dois
acabam por mandar o concerto às couves e irem para um bar só de negros onde o
nosso pianista acaba por dar um “show” de piano sendo depois acompanhado por
todo o conjunto de “Jazz”.
Estupidamente, também aqui se verifica o contrário. Um
branco ter a “lata” de entrar num bar só frequentado por negros. Mas tudo acaba
em bem, sendo o nosso motorista bem recebido depois de passadas as
desconfianças.
Há uma cena, em que a polícia os manda parar na
estrada e os agentes olham embasbacados para o banco traseiro onde se senta um
negro e o branco vai à frente conduzindo. Mandam sair os dois e acabam insultando
Tony, que sem pensar, prega valente murro no guarda. Já na esquadra, ambos
presos, o nosso Dr. Shirley pede para telefonar ao seu advogado. Primeiro
riem-se, mas depois, alertados por um deles que os informa que o homem tem
mesmo esse direito, o deixam telefonar. Ao telefone, o negro chama o chefe da
esquadra e diz que o advogado quer falar com ele. Vemos o polícia atender e
ficar quase engasgado só dizendo “Yes Sir, Yes Sir”. Ao desligar manda
imediatamente soltar os prisioneiros perante a estupefacção dos outros
polícias. Já cá fora, Tony pergunta: “Dr. a quem telefonou você?” O Negro dá
grande descasca no seu motorista dizendo-lhe: “Não aprendeu nada do que lhe
tenho vindo a ensinar. Disse-lhe que os assuntos não se resolvem com violência
e por sua causa fez-me incomodar o Procurador Geral da República Dr. Bob
Kennedy”.
Regressam a New York mesmo na noite de Natal onde Tony
é esperado pela família numa enorme mesa cheia de alegria. Shirley recusa o
convite para entrar e vai para o seu luxuoso apartamento, onde fica só. Mais
tarde bate `porta de Tony com uma garrafa de champanhe na mão…
No resto da noite, no Procópio, meu bar de eleição
desde 1975, acabei comentando o filme com a minha mulher. Aí pensámos que o
velho ditado de que “Há males que vêm por bem”, é mesmo verdadeiro.
Aqui só para nós que sou militar, mas pacifista, perante estas situações racistas, só penso num aparelho que resolveria o
assunto. Metralhadora!