sábado, 18 de fevereiro de 2017

A Obra de Deus



Deus estava deveras aborrecido. Dera um piparote num berlinde que por ali andava e provocou uma enorme explosão de bolas, umas grandes, outras pequenas, umas quentes e luminosas, outras mais frias e sem luz, tudo aquilo se expandia e não parava, mas tudo acabava por ser entediante. Ele era o verbo, mas falar para quê e para quem? Levou, pelo menos, uns 9,5 mil milhões de anos a pensar no assunto, até que resolveu pegar numa daquelas bolas, por acaso uma das mais pequenas, e fazer dela uma obra de arte. E tanto se entreteve que nem deu pelo tempo passar. Continuava sem ter ninguém com quem falar, apesar de ser O Verbo. Ao fim, para aí, de uns 4,3 mil milhões de anitos, já farto de peixes, lagartos, ursos, macacos, etc., resolveu criar um macacóide que conseguisse falar, para que a sua mensagem fosse conhecida. Primeiro acabou com umas bichezas a que chamara dinossauros, uma vez que a sua dimensão não seria compatível com o animal que queria criar. Pegou numa imagem do tal macacóide e fez uma a que chamou homem, bastante parecido com os seus congéneres, mas o raio do bicho saiu feio e estúpido. Levou mais uns anitos e ao fim de mais uns 4,296 mil milhões lá conseguiu criar um tipo, mais bem apessoado, que já falava razoavelmente, pensava e construía umas coisitas. Para que não ficasse sozinho, fê-lo acompanhar por uma sua congénere para que se ligassem e tivessem descendência. A partir daí, o tédio de Deus foi desaparecendo. Por essa altura, já teria passado algum tempo e dos 4,296 mil milhões de anos, só faltavam uns duzentos mil anos para a época deste pobre escrito.
A este último espécime, deu o nome pomposo de homo sapiens. Este tipo foi aprendendo umas coisas boas e também outras muito más. Não lhe ligava nenhuma, matavam-se uns aos outros, roubavam-se entre si, raptavam as mulheres uns dos outros, enfim, montes de malvadezes. E aí Deus chateou-se. Escolheu um que era bonzinho e disse-lhe que fizesse uma arca (tipo barco), metesse lá um casal de cada bicheza da terra (grande bote) e que embarcasse junto com a família porque ele ia mandar chuva. E mandou tanta que cobriu o ponto mais alto da terra e lá foi tudo para o bé-lé-léu. Ao fim de 40 dias e 40 noites, o tal embarcadiço mandou uma pomba e ela voltou com um ramo de oliveira no bico (grande esperança). Devem ter-se servido da madeira da arca para fazerem casas porque nunca mais ninguém encontrou sequer vestígios do bote. O certo é que se multiplicaram, e dentro de mais uns anitos lá repovoaram a terra de novo. Mas mesmo assim Deus não conseguiu que se tornassem bons. Continuavam a fazer maldades e até houve duas cidades onde se entretiveram a copular uns com os outros, mesmo os de sexos iguais. Crime de lesa pátria, se fosse hoje, Deus ficaria muito mais lixado ainda, mas naquele tempo não havia Assembleias Legislativas para legalizarem essas más coisas, o facto era crime de lesa majestade. Vai daí Deus resolveu acabar com essas duas cidades e desta vez foi pelo fogo. Mas salvou uma família, pai, mãe e duas filhas e disse que fugissem para a montanha sem olhar para trás ou eram severamente castigados. Dizer isso a um homem, ou até a crianças obedientes ainda vá, mas dizê-lo a uma mulher feita, é coisa que não se faz. Mulher não consegue passar e não dar uma espreitadela. Foi o que ela fez e ficou transformada em estátua de sal. Sal? Porquê? De pedra ainda vá, mas de sal? No meio da montanha? E o pior é que lá ficou o pai, só com as meninas dentro de uma caverna. Ao fim de uns anos, as coitadas não tinham descendência e resolveram embebedar o pai e com ele terem relações para engravidarem. Se assim o pensaram melhor o fizeram e lá se consumou o incesto. Não percebo essa. Então Deus destrói duas cidades por pederastia e lesbianismo e depois aceita o incesto? Mau! Que raio de critério. Mas Deus queria era voltar a criar comunidades a partir de seres bons e cumpridores. Parece que nunca conseguiu. Omnipotente? Onde? Os tais homosapiens, agora já todos só chamados homens, continuaram a portarem-se mal e a não temerem a Deus. Com medo de serem novamente afogados por ouro dilúvio, que nunca mais chegou, resolveram construir uma torre tão alta que nenhum dilúvio a cobrisse. Deus zangou-se novamente e resolveu confundir-lhes as línguas, o que foi uma grande gaita. Dos resquícios dessa torre, devem ter feito muitos tijolos, pois todo o mundo continua à procura e ninguém lhe encontra uma pedrinha sequer. A partir daí foi a confusão total até aparecerem os ingleses que, como nunca conseguiram aprender qualquer outra língua transformaram a deles em língua universal. Ainda houve uns artistas que tentaram e conseguiram construir uma língua universal, o esperanto, mas os ingleses nem essa aprenderam e boicotaram tudo de novo sem apelo nem agravo. A partir daí Deus deve ter mandado tudo às couves pois nunca mais castigou a humanidade. Mas a dita humanidade, quase toda, continua agarrada a Deus e não só ao ser de quem falámos, arranjaram outros e estabeleceram-lhes diversos cultos. Se tivessem ficado por aí, vá que não vá, mas o pior é que cada culto só admitia o seu como verdadeiro e guerreava os outros. Conclusão, guerras não faltaram e nenhum dos deuses lhes valeu. Parece pois que os seres divinos se zangaram de todo com os homens e voltaram para o “dolce fare niente”. Até que apareceu um tipo chamado Abraão que nasceu em Ur cidade suméria num território, hoje chamado Iraque. Esse rapaz teve dois filhos, um de sua escrava, a quem deu o nome de Ismael e outro Isac.
O Ismael fundou a religião ismaelita ou islamita e o Isac a religião judaica. Mais tarde da Judaica nasce a Cristã e das duas nasce o mundo muçulmano através do profeta Maomé. Mais valia que estivessem quietos. A partir daí foi o granel total e Deus entrou em greve.


5 comentários:

  1. Ainda não tinha tido conhecimento desta versão, mas está-se sempre a aprender.
    Entretanto, aproveitando o oferecimento de há dias, que venha "O Lagarto". Será lido com todo o gosto.

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  2. Na realidade, não sei se construíste uma história de Deus, se foi ele próprio que te tocou com a sua mão invisível, mas omnipotente e te permitiu a criação de uma versão mais verosímil da sua própria história de vida... Mas lá está, as palavras, esses perigosos instrumentos da compreensão entre os homens, traem-nos a todo e a qualquer momento... Saiu-me esta da história da vida de Deus e no fundo ninguém ainda percebeu se ele vive ou apenas existe... E vivendo ou existindo, onde é que se abriga... É certo que ele diz ser omnipresente, ou seja, está em toda a parte e nenhuma, mas isso leva-me a focar-me na tua deliciosa descrição sobre a criação do universo, ou seja lá o que for, em que ele brincava com umas bolas ou berlindes e acabou por provocar, aquilo que tu quererás fazer crer que terá sido um enorme big-bang... Daí até à escolha do nosso planeta como atelier para a criação da terra, sua sonhada obra prima, foi um instante, instante esse que nessa época levava uma enormidade de tempo para se realizar, mas tempo era o que ele mais deveria ter para seu uso e proveito...
    Talvez esta tua versão da criação do mundo devesse ser ensinada às crianças, porque seria muito mais bem recebida e do seu gosto!... De realçar, no entanto, que o seu grande erro foi a invenção das religiões!... Tramou tudo e arranjou fogo para se queimar... E nunca mais conseguiu reparar o mal que fez...
    Felicito-te por conseguires aliar à tua capacidade de interpretação do desconhecido, embora com base em muito do que nós julgamos conhecer, conseguires criar estas encenações e deliciar-nos com a tua superior capacidade de criar, seja a ilusão ou a presunção, do que realmente terá acontecido... isto é, se verdadeiramente aconteceu!... Só uma mente verdadeiramente livre e abrangente, sem qualquer noção de pecado ou verdade única, conseguiria ludibriar e desmistificar a verdade que tantos insistem em considerar como perfeita, inegável e indiscutível!... Viva a liberdade de espírito!... Parabéns!...

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  3. Lindo e excelente comentário. Depois de ler isto começo a acreditar em mim próprio como criador de histórias. Até já me estou a ver, nas escolas, a ensinar às criancinhas a minha visão da construção do universo e do mundo. Havia de ser lindo... Obrigado mais uma vez pelo teu amável e belo comentário.

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  4. Bom eu que já tinha tudo claro na minha mente, agora fiquei outra vez totalmente baralhado!
    Então não foi a placa tectónica euroasiática que chocou com a placa africana e fechou a ligação Atlântico com o Mediterrâneo, e há cerca de uns molhezitos voltou a abrir deixando o Mar Negro ainda isolado, e há cerca de 10.000 anos o Bósforo começou a deixar passar água, fez subir o nível do mar Negro em cerca de 10cm dia? Ainda tentaram perceber o que estava a acontecer mas não foram capazes. Como não encontraram nada mais lógico, inventaram que o tal de Noé tinha já nessa altura, um “correio eletrónico” e recebeu a tal mensagem para se meter num barquito com a família, cães e gatos e tudo o que lhe pudesse dar jeito e esperasse que a cheia passasse.
    E Isto sabe-se com base numa fonte chamada “Antigo Testamento”, mas que tem a credibilidade possível.
    Quanto ao resto não há provas de nada.
    O que se sabe, é que depois montaram três multinacionais, tornando-se as organizações mais ricas do mundo e que ainda hoje o são. Para isso tiveram de fazer muitas guerras para garantir a sua liderança. Quanto ao resto não tenho provas para poder dizer mais nada.

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  5. Pois foi António. Não sejas desmancha prazeres. Isto "aconteceu mesmo", mas só porque afinal o Noé não deixou entrar um casal de animais, os carunchos...

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