quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Il Trovatore


Verdi com a trilogia Rigoleto, Traviata e O Trovador, transformou completamente a ópera. O que até ali era praticamente teatro musicado passou a ser canto com história em teatro. Quase não usa os recitativos, normalmente monocórdicos e demasiado prolongados, tornando toda a encenação uma melodia constante. Conhecia bem as duas primeiras, mas a terceira nunca a tinha visto na totalidade. Aproveitando as novas tecnologias a Gulbenkian e o Corte Inglês promovem transmissões em directo, a primeira do Metropolitan Opera House de New York e o segundo da Royal Opera House de Londres. Na Gulbenkian já tinha assistido às Bodas de Fígaro de Mozart e, vi agora no Corte Inglês O Trovador de Verdi. Não sendo o mesmo que assistir a uma ópera em directo, acaba por ser um bom espectáculo que, à medida que a encenação avança quase nos esquecemos que estamos numa sala de cinema acabando por nos sentirmos espectadores assistentes directamente presentes do que se passa em palco. A forma como as cenas nos são apresentadas, quase todas em “big close up”, mostra-nos até mais pormenores do que se estivéssemos a assistir ao vivo. Acabamos por nos entrosar completamente na história com uma audição completa da música e canto. Esta ópera, como quase todas as de Verdi, é uma tragédia de paixão amor, ódio, ciúme e vingança, baseada no romance do espanhol António Garcia Gutierrez.
Numa das muitas guerras civis entre os vários reinos, os ciganos da Biscaia lutavam contra Aragão. O Conde de Luna, comandante do Exército real aragonês, amava perdidamente uma dama da corte, Leonora, que por sua vez estava enamorada de um rapaz, Manrico, o trovador, que lhe aparecia cantando-lhe serenatas de amor. Uma noite, o conde tentando ir ao encontro da sua amada encontra-se com o rival e entram em duelo. Manrico tenta apunhalar o Conde, mas a mão que empunha o punhal, é segura por uma força inexplicável e acaba por não realizar o seu intento. Entretanto, com o desenrolar da história, Azucena, cigana mãe de Manrico, revela que em tempos a sua mãe teria sido condenada pelo pai do Conde, a morrer na fogueira por acusação de bruxaria. Azucena que estava com o seu próprio filho nos braços, jurando vingança ao ver sua mãe a arder, agarra num dos filhos do Conde ainda bebé e atira-o ao fogo. Quando volta a pegar no seu filho vê com horror que aquele não é o seu. Levada pelo desespero e desejo de vingança, matara seu próprio filho. Manrico pergunta-lhe: "Então não sou seu filho?” ao que ela responde “Sim tu também és meu filho”.
No final, depois de várias peripécias, Manrico é preso pelo Conde e condenado à morte. Leonora, para o salvar, promete-se ao Conde, mas envenena-se antes. Vai junto de Manrico dizendo-lhe que está salvo, mas, entretanto, morre. O Conde sentindo-se traído manda fuzilar Manrico e ordena a morte de Azucena pela fogueira. Esta antes de perecer, confessa-lhe: “Mataste teu irmão”.
As árias de Leonor são magnificamente interpretadas pela arménia Lianna Haroutounian, com uma voz de soprano bastante límpida e sonante. O Conde é interpretado pelo ucraniano Vitaliy Bilyy, um barítono de voz possante cujos duetos com Lianna são extraordinariamente bem conseguidos. Manrico é interpretado pelo americano Gregory Kunde, com uma bonita voz de tenor, mas quanto a mim talvez o mais fraco de todos os interpretes. Surpreendeu-me a excelente “performance” da georgiana Anita Rachvelishvili, no papel de Azucena com uma possante e límpida voz de “Mezzo soprano”.
Os coros dos ciganos principalmente o célebre “Anvil Chorus” coro da bigorna, o coro dos soldados do 3º acto e o salmo “Miserere” no final, são soberbos.
A encenação é do alemão David Bosh, que transforma o libreto de Salvatore Macaranno colocando-o numa época mais moderna com carros de assalto e metralhadoras, com um colorido apagado e triste a condizer com a tragédia. Estas encenações modernas, muitas vezes, não dão a bota com a perdigota porque se torna ridículo ouvir no canto: “Esta minha espada clama vingança”, quando o cantor tem uma metralhadora na mão. Enfim, pormenores que não estragam a peça.

Estas transmissões têm a vantagem de serem explicadas com legendas, no início, por uma apresentadora que ao mesmo tempo vai entrevistando realizador e decorador. As entrevistas são sem legendas, mas que por não serem feitas a ingleses (um alemão e outro italiano), fazem-se compreender razoavelmente. Um bom espectáculo. Valeu a pena.

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