Verdi com a trilogia Rigoleto, Traviata e O Trovador,
transformou completamente a ópera. O que até ali era praticamente teatro
musicado passou a ser canto com história em teatro. Quase não usa os
recitativos, normalmente monocórdicos e demasiado prolongados, tornando toda a
encenação uma melodia constante. Conhecia bem as duas primeiras, mas a terceira
nunca a tinha visto na totalidade. Aproveitando as novas tecnologias a
Gulbenkian e o Corte Inglês promovem transmissões em directo, a primeira do
Metropolitan Opera House de New York e o segundo da Royal Opera House de
Londres. Na Gulbenkian já tinha assistido às Bodas de Fígaro de Mozart e, vi
agora no Corte Inglês O Trovador de Verdi. Não sendo o mesmo que assistir a uma
ópera em directo, acaba por ser um bom espectáculo que, à medida que a
encenação avança quase nos esquecemos que estamos numa sala de cinema
acabando por nos sentirmos espectadores assistentes directamente presentes do
que se passa em palco. A forma como as cenas nos são apresentadas, quase todas
em “big close up”, mostra-nos até mais pormenores do que se estivéssemos a
assistir ao vivo. Acabamos por nos entrosar completamente na história com uma
audição completa da música e canto. Esta ópera, como quase todas as de Verdi, é
uma tragédia de paixão amor, ódio, ciúme e vingança, baseada no romance do
espanhol António Garcia Gutierrez.
Numa das muitas guerras civis entre os vários reinos, os
ciganos da Biscaia lutavam contra Aragão. O Conde de Luna, comandante do
Exército real aragonês, amava perdidamente uma dama da corte, Leonora, que por
sua vez estava enamorada de um rapaz, Manrico, o trovador, que lhe aparecia
cantando-lhe serenatas de amor. Uma noite, o conde tentando ir ao encontro da
sua amada encontra-se com o rival e entram em duelo. Manrico tenta apunhalar o
Conde, mas a mão que empunha o punhal, é segura por uma força inexplicável e
acaba por não realizar o seu intento. Entretanto, com o desenrolar da história,
Azucena, cigana mãe de Manrico, revela que em tempos a sua mãe teria sido
condenada pelo pai do Conde, a morrer na fogueira por acusação de bruxaria.
Azucena que estava com o seu próprio filho nos braços, jurando vingança ao ver
sua mãe a arder, agarra num dos filhos do Conde ainda bebé e atira-o ao fogo.
Quando volta a pegar no seu filho vê com horror que aquele não é o seu. Levada
pelo desespero e desejo de vingança, matara seu próprio filho. Manrico
pergunta-lhe: "Então não sou seu filho?” ao que ela responde “Sim tu também és
meu filho”.
No final, depois de várias peripécias, Manrico é preso pelo
Conde e condenado à morte. Leonora, para o salvar, promete-se ao Conde, mas
envenena-se antes. Vai junto de Manrico dizendo-lhe que está salvo, mas,
entretanto, morre. O Conde sentindo-se traído manda fuzilar Manrico e ordena a
morte de Azucena pela fogueira. Esta antes de perecer, confessa-lhe: “Mataste
teu irmão”.
As árias de Leonor são magnificamente interpretadas pela arménia
Lianna Haroutounian, com uma voz de soprano bastante límpida e sonante. O Conde
é interpretado pelo ucraniano Vitaliy Bilyy, um barítono de voz possante cujos
duetos com Lianna são extraordinariamente bem conseguidos. Manrico é
interpretado pelo americano Gregory Kunde, com uma bonita voz de tenor, mas
quanto a mim talvez o mais fraco de todos os interpretes. Surpreendeu-me a
excelente “performance” da georgiana Anita Rachvelishvili, no papel de Azucena
com uma possante e límpida voz de “Mezzo soprano”.
Os coros dos ciganos principalmente o célebre “Anvil Chorus”
coro da bigorna, o coro dos soldados do 3º acto e o salmo “Miserere” no final,
são soberbos.
A encenação é do alemão David Bosh, que transforma o libreto
de Salvatore Macaranno colocando-o numa época mais moderna com carros de
assalto e metralhadoras, com um colorido apagado e triste a condizer com a
tragédia. Estas encenações modernas, muitas vezes, não dão a bota com a
perdigota porque se torna ridículo ouvir no canto: “Esta minha espada clama
vingança”, quando o cantor tem uma metralhadora na mão. Enfim, pormenores que
não estragam a peça.
Estas transmissões têm a vantagem de serem explicadas com
legendas, no início, por uma apresentadora que ao mesmo tempo vai
entrevistando realizador e decorador. As entrevistas são sem legendas, mas
que por não serem feitas a ingleses (um alemão e outro italiano), fazem-se
compreender razoavelmente. Um bom espectáculo. Valeu a pena.
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