Escrevi este texto já lá vão 4 anos. Penso até que já postei, parte dele, aqui. Está na altura de o recordar em honra dos amigos que nadam comigo na piscina.
Mergulhei. A coluna precisa de exercício. Aquelas picadas
de Angola e Moçambique deram-lhe muito trabalho. "Precisa de músculos." Disse-me o clínico. "Para aguentar os machucamentos que isso foi tendo. As
almofadas também já estão gastas. A idade não ajuda. Olhe que nadar fazia-lhe
bem."
Fiz-lhe a vontade. Lá ir todos os dias ao hospital para a
fisioterapia é que não vou. Antes lumbágico.
Agora, ali mergulhado, olhava, através dos óculos
protectores do cloro, os ladrilhos do fundo da piscina. Os reflexos dourados
provocados pela luz solar penetrada através das vidraças da grande janela e
movimentando-se na água límpida, pareciam-me fulgores cintilantes desprendendo-se
do nada e vindo até mim como mensagens telepáticas, mas visíveis, de um qualquer
“Poseidon” de água doce. Fossem ou não missivas de um ser do Olimpo das
profundezas, o certo é que me traziam uma enorme sensação de bem-estar,
relaxamento e faziam-me esquecer a porcaria em que o meu País se tornara (isto em 2012). O meu
pensamento, normalmente inquieto, entrava em letargia.
E pensei; “Lá está a natureza mítica do homem a criar
deuses para sossego do seu cérebro irrequieto e temeroso.”
Nadei, mergulhei, procurei e nada encontrei. O deus
enviador de luz calmante, não estava lá.
Ao sair da água voltei à realidade. Mas eles estavam lá.
Poseidon versus Neptuno
Poseidon estava sentado sobre um
casco de navio afundado quando reparou que uma concha puxada por golfinhos se
aproximava. Era Neptuno que o vinha visitar. Poseidon preparou-se para o
receber. Já sabia que iam discutir. Nunca se entendiam. Cada um reivindicava a
supremacia sobre os oceanos.
– Olá Poseidon – disse Neptuno.
– Sentado num casco de navio? Que fazes aí?
– Este, onde me sento, foi
baptizado pelos homens com o meu nome. Quem os autorizou a isso? Darem o nome
do deus dos mares a uma casca de noz. Como se um simples objecto criado pelos
mortais merecesse o meu nome. Para provar que sou o mais poderoso, virei-o ao
contrário afundando-o. Foi giro ver todos aqueles seres mesquinhos e pequenotes
a tentarem salvar a pele. Morreram quase todos e, não foram todos porque alguém
tinha que ficar para contar a história. Vens tu agora, usurpador do meu trono,
ou por outra, em tentativa de usurpares o meu trono, colocar algo em causa?
– Estais enganado, o rei dos
mares sou eu, assim determinaram os senhores do mundo, que me criaram. Os
Romanos assim o quiseram e assim será.
– Rapazola de um raio, quando
apareceste já eu reinava há muito sobre os mares. Os meus criadores, os Gregos,
eram os detentores das ciências, das filosofias e das artes. Os teus senhores,
esses miseráveis Romanos, vieram muito depois usurpar tudo o que de bom os
gregos deixaram. Criaram então deuses para substituírem todos aqueles que já
por cá andavam, mas as bases são gregas e os principais deuses também. O reino
dos mares é meu quer tu queiras ou não.
– Isso veremos. Fui eu que
deixei ou permiti que muitos povos percorressem os mares. Fui eu o cantado por
Camões e, até Fernando Pessoa, o ilustre poeta português, que me colocou em terra
personificado no “mostrengo”, aquele que defendia dos mortais o cabo
tormentoso, só se tornando de “Boa Esperança” depois de eu deixar passar aquele
povo heróico que descobriu mais de meio mundo. Eu permiti a passagem aos homens,
tu mataste-los por ignomínia. Tu que foste engolido pelo teu pai à nascença. Tu
que só por bondade de Zeus foste regurgitado por Cronos. Não tens direito a
reinar aqui.
– Ah! Ah! Ah! Pobre réplica de
mim. A história está cheia de réplicas de deuses como tu. Foi a nossa história,
que os teus pais romanos estudaram. Foi essa que copiaram para fazerem seus os
nossos deuses. Fizeram-te filho de Saturno e irmão de Júpiter e Plutão.
Chamaram-te deus das fontes das águas e também dos terremotos. Que tinha a
terra a ver com o mar? Esses romanos eram loucos. Tenho a impressão que houve
já alguém a dizer isto… Parece-me que foi o Asterix…
– Asterix? Não conheço.
– Claro! És um ignaro e uma
fraude. Asterix foi um que nunca se subjugou aos teus patrões e sempre os
combateu nunca lhes permitindo ocupar a sua aldeia na Gália, a Armórica. Foram
homens como ele e os seus pares, os percursores da vossa queda. O pior é que
outros vieram e outros deuses também criaram, tornando a nossa história em
mitologia. Um dia os deuses deles também virarão mitologia e outros deuses
aparecerão. Parece que a humanidade, esses pobres seres, não sabem viver sem
deuses.
– Caro Poseidon, antes que os
nossos tridentes se cruzem, vou dar uma volta por aí. Vai mas é para Copenhague
e deixa-te lá ficar sobre um pedestal, eu volto para Florença. Fico numa das
fontes que criei.
…
O fundo da piscina reflectia
raios dourados como hexágonos que ora se alongavam ora se contraíam como raios
eléctricos, chamando-me à realidade. Perdi de vista os deuses que me ocuparam a
mente durante segundos e saí para o balneário. Já debaixo do chuveiro constatei
que o Asterix também não tinha toda a razão. Não só os Romanos eram loucos,
toda a humanidade também…
Sem comentários:
Enviar um comentário