terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

POSEIDON E NEPTUNO

Escrevi este texto já lá vão 4 anos. Penso até que já postei, parte dele, aqui. Está na altura de o recordar em honra dos amigos que nadam comigo na piscina.

Mergulhei. A coluna precisa de exercício. Aquelas picadas de Angola e Moçambique deram-lhe muito trabalho. "Precisa de músculos." Disse-me o clínico. "Para aguentar os machucamentos que isso foi tendo. As almofadas também já estão gastas. A idade não ajuda. Olhe que nadar fazia-lhe bem."
Fiz-lhe a vontade. Lá ir todos os dias ao hospital para a fisioterapia é que não vou. Antes lumbágico.
Agora, ali mergulhado, olhava, através dos óculos protectores do cloro, os ladrilhos do fundo da piscina. Os reflexos dourados provocados pela luz solar penetrada através das vidraças da grande janela e movimentando-se na água límpida, pareciam-me fulgores cintilantes desprendendo-se do nada e vindo até mim como mensagens telepáticas, mas visíveis, de um qualquer “Poseidon” de água doce. Fossem ou não missivas de um ser do Olimpo das profundezas, o certo é que me traziam uma enorme sensação de bem-estar, relaxamento e faziam-me esquecer a porcaria em que o meu País se tornara (isto em 2012). O meu pensamento, normalmente inquieto, entrava em letargia.
E pensei; “Lá está a natureza mítica do homem a criar deuses para sossego do seu cérebro irrequieto e temeroso.”
Nadei, mergulhei, procurei e nada encontrei. O deus enviador de luz calmante, não estava lá.

Ao sair da água voltei à realidade. Mas eles estavam lá.

Poseidon versus Neptuno

Poseidon estava sentado sobre um casco de navio afundado quando reparou que uma concha puxada por golfinhos se aproximava. Era Neptuno que o vinha visitar. Poseidon preparou-se para o receber. Já sabia que iam discutir. Nunca se entendiam. Cada um reivindicava a supremacia sobre os oceanos.
 Olá Poseidon – disse Neptuno. – Sentado num casco de navio? Que fazes aí?
 Este, onde me sento, foi baptizado pelos homens com o meu nome. Quem os autorizou a isso? Darem o nome do deus dos mares a uma casca de noz. Como se um simples objecto criado pelos mortais merecesse o meu nome. Para provar que sou o mais poderoso, virei-o ao contrário afundando-o. Foi giro ver todos aqueles seres mesquinhos e pequenotes a tentarem salvar a pele. Morreram quase todos e, não foram todos porque alguém tinha que ficar para contar a história. Vens tu agora, usurpador do meu trono, ou por outra, em tentativa de usurpares o meu trono, colocar algo em causa?
 Estais enganado, o rei dos mares sou eu, assim determinaram os senhores do mundo, que me criaram. Os Romanos assim o quiseram e assim será.
 Rapazola de um raio, quando apareceste já eu reinava há muito sobre os mares. Os meus criadores, os Gregos, eram os detentores das ciências, das filosofias e das artes. Os teus senhores, esses miseráveis Romanos, vieram muito depois usurpar tudo o que de bom os gregos deixaram. Criaram então deuses para substituírem todos aqueles que já por cá andavam, mas as bases são gregas e os principais deuses também. O reino dos mares é meu quer tu queiras ou não.
 Isso veremos. Fui eu que deixei ou permiti que muitos povos percorressem os mares. Fui eu o cantado por Camões e, até Fernando Pessoa, o ilustre poeta português, que me colocou em terra personificado no “mostrengo”, aquele que defendia dos mortais o cabo tormentoso, só se tornando de “Boa Esperança” depois de eu deixar passar aquele povo heróico que descobriu mais de meio mundo. Eu permiti a passagem aos homens, tu mataste-los por ignomínia. Tu que foste engolido pelo teu pai à nascença. Tu que só por bondade de Zeus foste regurgitado por Cronos. Não tens direito a reinar aqui.
 Ah! Ah! Ah! Pobre réplica de mim. A história está cheia de réplicas de deuses como tu. Foi a nossa história, que os teus pais romanos estudaram. Foi essa que copiaram para fazerem seus os nossos deuses. Fizeram-te filho de Saturno e irmão de Júpiter e Plutão. Chamaram-te deus das fontes das águas e também dos terremotos. Que tinha a terra a ver com o mar? Esses romanos eram loucos. Tenho a impressão que houve já alguém a dizer isto… Parece-me que foi o Asterix…
 Asterix? Não conheço.
 Claro! És um ignaro e uma fraude. Asterix foi um que nunca se subjugou aos teus patrões e sempre os combateu nunca lhes permitindo ocupar a sua aldeia na Gália, a Armórica. Foram homens como ele e os seus pares, os percursores da vossa queda. O pior é que outros vieram e outros deuses também criaram, tornando a nossa história em mitologia. Um dia os deuses deles também virarão mitologia e outros deuses aparecerão. Parece que a humanidade, esses pobres seres, não sabem viver sem deuses.
 Caro Poseidon, antes que os nossos tridentes se cruzem, vou dar uma volta por aí. Vai mas é para Copenhague e deixa-te lá ficar sobre um pedestal, eu volto para Florença. Fico numa das fontes que criei.
O fundo da piscina reflectia raios dourados como hexágonos que ora se alongavam ora se contraíam como raios eléctricos, chamando-me à realidade. Perdi de vista os deuses que me ocuparam a mente durante segundos e saí para o balneário. Já debaixo do chuveiro constatei que o Asterix também não tinha toda a razão. Não só os Romanos eram loucos, toda a humanidade também…


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