(excerto de "Pedras Negras de Vermelho")
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– Ainda a ama? – Perguntou Mariana.
Anselmo ficou um tempo calado como a pensar se o deveria dizer, mas acabou por confessar. – Sim. Procuro convencer-me do contrário mas tenho de confessar a verdade. Ainda a tenho no pensamento. Apesar das nossas diferenças, no essencial não nos dávamos mal.
– A que chamas essencial? – Perguntou Fernando.
– Bem. Sabes o que é… – Referiu um pouco a medo. – Conversa, cama e coisas triviais. O pior era o serviço e a minha falta com muita permanência.
– Desculpe o interrogatório. – Disse Mariana. – Mas já agora gostava de saber. Falou em diferenças. Eram assim tão diferentes?
– Só na religião. Telma é tremendamente católica. Eu sou agnóstico. Ela não fazia nada sem deus. Era “se deus me ajudar”, “ deus vai-me orientar”,“vou pedir a deus”. Irritava-me aquilo. Dava a ideia de que toda a vida dela era comandada, que a cabeça dela não tinha atitudes nem ideias.
– Vocês, os agnósticos deixam-me sempre confuso. – Disse Fernando. – Sempre achei o agnosticismo uma grande falta de coragem. A vossa postura é de que os crentes não provam a existência e como vocês também não conseguem provar a não existência, lavam as mãos como Pilatos, se por acaso este facto foi verdadeiro, e não discutem o assunto.
– Porque referes que esse acto de Pilatos poderá não ser verdadeiro?
– Pensem bem. A religião cristã foi a adoptada, se não inventada, para religião oficial dos romanos. Obviamente que não podia colocar os romanos como os culpados da morte de Jesus e, portanto, atirou com esse ónus para cima dos judeus, por outro lado, a história romana está feita através dos muitos registos encontrados. Todos os julgamentos e execuções eram devidamente registados. Curiosamente não existe na história de Roma e na da ocupação romana da palestina, qualquer referência ao julgamento e à morte de Jesus nem nos registos da governação de Pilatos. O relato do julgamento e da pretensa atitude de Pilatos, lavando as mãos como quem diz “estou-me nas tintas querem matá-lo matem-no”, só aparece nos evangelhos e esses são suspeitos pois só foram escritos muitos anos depois e por pessoas que não poderiam ter conhecido Jesus. Também deixa suspeitas o facto de Jesus ter sido crucificado. A crucificação era uma punição romana. Se os judeus achavam que Jesus deveria ser punido com a morte por heresia, essa era apenas contra a religião deles e não contra a dos romanos. Pilatos de certeza que teria deixado ser a justiça dos judeus a encarregar-se disso e se assim tivesse sido a morte teria sido por lapidação que era a punição judaica para a heresia.
Anselmo fez o gesto silencioso de quem está a bater palmas. – Bravo! Vê-se que és um autêntico “expert” sobre o assunto. De onde te vem tanta segurança nas afirmações?
– Isto de se dizer que se é ateu, só não chega. Como sabes, os crentes, pelo menos a maioria, vê em nós autênticos diabos à solta como se fossemos os verdadeiros anti-cristo. Para termos alguma coerência na defesa das nossas teses, temos de documentar-nos e de estudar tudo o que diz respeito a religiões e, digo-te que é uma tarefa ciclópica pelo manancial de informação e literatura que existe. Leio muito sobre o assunto e como também gosto muito de história está feito o resultado. Só que às vezes acabamos por ser os chatos e perder algumas amizades. Nem todos têm a nossa largueza de espírito. Mas vamos jantar que vão sendo horas.
Passaram para a sala de jantar onde continuaram com conversas banais até passarem de novo à sala para o café.
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São diferenças que acabam por marcar uma relação. A maioria dos crentes só o são porque não são analiticos.
ResponderEliminarEu, não me considero ateu, acho que sou laico.
Aceito qualquer religião, na Guiné entrei em mesquitas, embora entre em igrejas, quando sou convidado, as pessoas que conheço tradicionalmente frequentam-nas, casamentos, batisados, etc.,. Não sou praticante. Achas que esta atitude é ser laico?
Um abraço
Cruz