Hergé, pseudónimo de Georges Remy, foi um sobredotado ilustrador e um contador imaginativo de histórias em imagens. A sua criação de TIMTIM e o seu fiel companheiro MILU encantaram crianças de todo o mundo dos sete aos setenta e sete anos, como muitas vezes referia. Lembro-me de aos 6 anos, já ler o suficiente para, agarrado à revista O PAPAGAIO, conseguir compreender as aventuras que me encantavam. Aliás, penso que foi TimTim o responsável por ter aprendido a ler tão depressa, devorando os pequenos textos inseridos nas onomatopeias interpelando o meu Pai ou Mãe sempre que não entendia algo. Muito aprendi com aquelas histórias. Hergé conseguiu retratar tempos e pessoas de todas as épocas com as figuras que criou. Alguns acusaram-no de misoginia por raramente incluir figuras femininas e, quando o fez, fê-lo com demasiado humor apresentando figuras algo caricatas mas plenas de criatividade (BIANCA CASTAFIORE). Outros acusaram-no de racismo, pela forma como incluía judeus e negros nas suas histórias. Eu não o acuso de coisa nenhuma, pois aquilo que retratou era fruto de uma época colonialista. Aliás, as figuras que foram aparecendo acabaram por suplantar o personagem principal, que continuou a ser o catalisador da acção, mas com muito menos protagonismo. O fabuloso HADDOCK com os seus rasgos de heroicidade e com aquele vocabulário próprio com que invectivava os adversários, os caricatos DUPOND E DUPONT, criados à imagem e semelhança de Charlie Chaplin, de coco e bengala, bem como o surdíssimo professor inventor TOURNESSOL. Enfim, tantas figuras que me deliciaram e ainda hoje deliciam.
Mas, levado pelas recordações, acabei por me afastar da personagem sobre a qual queria falar. Hergé apanhou muito bem o espírito do português que se lançou pelo mundo com o fim de ganhar a vida fora do país, pela dificuldade de o conseguir fazer na sua terra. OLIVEIRA DA FIGUEIRA é o protótipo do português que, dispondo de uma verborreia de vendedor, tipo banha da cobra, se lança a impingir os seus produtos mesmo que os pobres dos compradores não necessitem deles para nada. Assim, consegue vender sabonetes aos árabes que nem água tinham para beber, patins de rodas onde não havia locais para a prática de patinagem, skis onde não há neve, chapéus de chuva para o deserto, etc… O próprio TimTim, com skis às costas, gaiola para papagaio, trela para o Milu, que anda sempre solto, e cartola, vai dizendo para si próprio “ com estes vendedores é preciso um grande cuidado senão acabamos por adquirir montes de coisas de que não precisamos”.
Já naquele tempo, os portugueses eram vistos como comerciantes de comprar e vender. Para isso fomos sempre bons e se pudéssemos ganhar muito, melhor. Para a produção nunca fomos grande coisa.
Parece-me pois que teremos todos de nos armar em “Oliveira da Figueira” e fazermo-nos de novo ao mudo vender a avó ou até a alma ao diabo. Os tempos não estão para outra coisa.
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