Nota: Espero que os meus leitores (parece que há alguns, o contador de lvisualizações conta 402) tenham a paciência de ler 12 conversas que tive com Jesus (2004). Vou publicar uma por dia.
Prólogo
Sou um ateu convicto. Tenho tanto direito de o ser como qualquer crente de ter fé. Educado e criado na religião católica comecei a afastar-me ao não encontrar respostas para as minhas dúvidas. A Igreja em vez de me esclarecer ainda mais contribuiu para as mesmas. Fui lendo e aprendendo. Fui meditando e conversando. A ideia de um deus criador, omnipotente, omnisciente, omnipresente e fantasmagórico foi morrendo e desvaneceu-se completamente. A ciência acabou por me esvaziar totalmente da ideia de deus.
Durante o meu curso secundário fui o melhor aluno a religião e moral. Sempre me deslumbrei com as escrituras, principalmente aquelas partes que se referiam a confrontos e lutas entre os bons e os maus. Hoje já não sei se os maus seriam assim tão maus. Pela vida fora tenho sido um leitor de temas religiosos. Fascina-me tentar compreender por que o homem sempre precisou de acreditar em algo de sobrenatural. Adorava ter conhecido um profeta. Falar com Maomé deveria ter sido fascinante. Com Jesus seria óptimo. E porque não? Tudo é possível...
Conversa I
Gosto de andar, quando não tenho que fazer, dou umas voltas a pé. É uma maneira de fazer exercício e manter as pernas em forma para, durante a época cinegética, não deixar fugir as perdizes. Saio de casa, vou tomar café ao sítio do costume, vou até ao quiosque onde o proprietário estende os jornais num cordel, leio as páginas da frente, dou a volta, leio as páginas traseiras e fico a saber tudo sobre o País. Uma destas manhãs sentei-me num dos bancos do largo, à sombra, e fiquei um bom bocado por ali a apreciar os passantes. É giríssimo ver os transeuntes. Uns apressados, outros que fazem o mesmo que eu e se limitam a estar e observar, outros que entram nos estabelecimentos e compram, outros que vêem montras e não compram nada, a vida está má e o dinheiro não sobra, outros que compram aos vendedores ambulantes que com um olho no cliente e outro na polícia, fazem estendal da mercadoria. Estava eu absorto nestas contemplações quando reparei num indivíduo que, bem vestido, fato e gravata, de bom corte, boa aparência, cabelo para o comprido, moreno, barbicha, se sentou ao meu lado olhando para mim com alguma insistência. Achei estranho. Normalmente não sou desconfiado mas, com o que vemos e lemos, anda por aí muito homossexual no engate. Não que tenha algo contra os homossexuais. Cada um é como é, mas tentarem engatar-me ali e aquela hora era para mim algo de novo e desconhecido. Já estava a embirrar com aquilo, quando o tipo me dirigiu a palavra.
– O meu caro senhor desculpe a minha insistência no olhar, mas escolhi-o para me dar a conhecer e gostava de ter consigo uma conversa...
Mau, mau, aquilo cada vez me parecia mais estranho e estava quase a levantar-me e mandar o tipo à fava, quando o tal me diz:
– Eu sou Jesus! Quero dialogar consigo sobre a minha missão na Terra.
Pensei para comigo que o tipo era maluco. Vinha agora um gajo daqueles, todo triques, com aspecto de executivo de multinacional, diz-me que é Jesus e qual é o meu papel? Fiquei com uma enormíssima vontade de rir mas felizmente não me desmanchei. Olhei o tipo de frente, disposto a não contrariar a maluqueira, como é norma. Nessa altura algo no seu olhar e maneira de estar, deixou-me confuso. O tipo tinha todo o ar de quem estava convencido daquilo que dizia. Resolvi dar conversa para ver até que ponto ele seria capaz de levar avante a sua ideia.
– Ah! Então o Senhor é Jesus? O Cristo?
– Sim, disse ele.
– Mas não parece, Jesus não vestia assim. Tinha uma túnica pobre, de fiapos.
– Então o meu amigo queria que eu aparecesse aqui, em pleno século XXI, de túnica como andei lá Palestina? Era a mesma coisa que ter aparecido lá, naquela época, com o fato que tenho agora!
Realmente, o gajo era coerente. Ninguém iria acreditar num tipo de túnica e descalço a pregar em pleno largo. Apareceria logo o carro hospitalar ou a Ramona para o levar ao Hospício ou à prisão. Como a conversa me começou a agradar, continuei:
– Então? Você é o filho do Carpinteiro, o José?
– Sim, disse. Ou melhor, filho dele eu não era, mas sabe, na época também havia a maledicência e era preciso preservar a honra da minha Mãe, muitas pessoas ainda não sabiam da minha divindade...
– Compreendo, disse eu. Teria feito o mesmo, mas seu Pai, ou melhor, seu Tutor não se sentia assim mal por ser casado com tão bela mulher e...ela ter um filho que não era seu? Devia ser difícil para ele essa de filho de deus... a dúvida devia rondar permanentemente a sua mente.
– Talvez, mas a sua crença no seu Deus era enorme e a sua paixão por minha Mãe era grande, tinha aceitado a situação de abstinência. Mesmo que alguma dúvida o tenha atormentado, nunca o demonstrou.
– E então, o...o...o Caro Jesus voltou agora...2004 anos depois, porquê? A sua passagem pela Terra, apesar de naquela época ter sido pouco apreciada, teve, bastantes anos depois, uma repercussão enorme. Os seguidores hoje são milhões. Não lhe chegou? O que ficou mal?
– Sabe, a minha vinda à Terra foi um imperativo de meu Pai, o outro...sim Deus. Os crentes andavam descontentes, a humanidade estava uma porcaria, ninguém se entendia, os poderosos comandavam tudo, os escravos e os pobres nada tinham e eram completamente manipulados pelos donos. Já começava a haver muita descrença no Pai. Era necessário que aparecesse alguém, terreno, de carne e osso, que viesse convencer os humanos que a salvação estava no reino dos Céus junto do Pai.
Nessa altura retorqui:
– Bem, mas isso não iria mudar a vida dos desgraçados, apenas lhes iria dar uma esperança numa vida para além da terrena e, só iria fazer que aceitassem com resignação a vida desgraçada que levavam pois teriam o descanso eterno. Não acha isso muito injusto e, além disso, demasiado conveniente para os ricos e escravizadores? Parece ser, além de pouca, uma compensação algo controversa e não completamente convincente. E, já agora, por que voltou? A mensagem, na altura, não passou? Mas olhe, Jesus, tenho de ir embora pois a minha mulher já deve estar a estranhar a demora. Mas antes de acabarmos por hoje esta conversa gostava que me dissesse por que me escolheu a mim, um ateu, para conversar sobre isto?
– Meu Caro acha que se eu aparecesse a um crente ele me daria a atenção que me deu até aqui? Desataria aos gritos, chamava a Polícia e ainda me crucificavam de novo antes de poder deixar uma nova mensagem. Assim, consigo, uma pessoa interessada e ouvinte, poderei ter algum êxito na minha nova missão.
Nesta altura eu estava a ficar convencido do interesse da conversa, apesar da maluquice do indivíduo, ainda estar na minha mente, mas disse-lhe:
– Olhe, gostei de falar consigo, se quiser ter a amabilidade de voltar amanhã, poderemos continuar.
– OK. Disse ele. Até amanhã.
Achei piada à expressão. Este Jesus estava bem moderno. Amanhã cá estarei. Não vou perder isto nem por nada.
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