Os meus amigos já estão habituados às minhas dissertações sobre deuses e religiões. Penso que estou a correr o risco de qualquer dia me tornar tão chato que já ninguém tenha paciência para me aturar. Longe de mim qualquer ideia de me tornar ofensivo ou inconveniente. Só que acho que tenho tanto direito de não crer, como todos os crentes têm de crerem. E penso que também tenho o direito de tentar mostrar, por argumentação, os porquês da minha não crença sem que com isso eu queira mudar mentalidades. Pena é que muitos dos crentes, devido à sua educação religiosa, tomem como certas e imutáveis as ideias que lhes foram transmitidas por educação familiar, escolar e catequética (será que a palavra existe? Se não existia acabei de a inventar) e acharem que o assunto é indiscutível. Então, ficam na sua e mostram-se, muitas vezes, totalmente ofendidos pelos argumentos que tento fazer passar.
No verão passado conheci uma moça, filha de um amigo meu, que me deu alguma luta sobre o assunto, mas que a partir de certa altura esgotou a argumentação e, mais tarde, por e-mail, referiu que até o escritor António Lobo Antunes teria proferido a seguinte frase:
“A minha relação é a de um espírito naturalmente religioso, cada vez mais, não no sentido desta ou daquela igreja mas porque me parece que a ideia de Deus é óbvia.”
Aqui vos deixo a resposta que lhe enviei:
Refutação à frase proferida por António Lobo Antunes numa entrevista
Vamos pegar nesta frase e fazer alguns exercícios mentais.
a. Onde é que eu posso ir buscar a ideia de Deus?
1. Aos ensinamentos dos pais.
2. Aos ensinamentos da catequese.
3. Aos ensinamentos da Bíblia.
4. Ao medo de morrer e ter que responder perante um Deus que me foi ensinado como um ser que julgará os mortos.
5. À contemplação de fenómenos que não compreendo e que, portanto, só posso atribuir ao sobrenatural.
6.
b. Vamos agora fazer o seguinte exercício:
1. Os pais não me ensinaram Deus.
2. Nunca fui à catequese.
3. Nunca li a bíblia.
4. Terei medo de morrer apenas por instinto de sobrevivência mas como não conheço Deus não tenho medo de ter de responder perante alguém.
5. Continuarei apenas a pensar que existe algo de sobrenatural que provoca os fenómenos que não compreendo.
c. Aparecem-me então uns tipos que aproveitam os meus receios e dizem-me que quem comanda aqueles fenómenos é um ser sobrenatural a quem tenho de chamar Deus. Depois constroem-me uma série de regras que terei de respeitar senão o tal Deus dá-me cabo do canastro. Lá passarei a temer Deus e infelizmente a ter de seguir as normas desses tipos que por isso vão tendo cada vez mais poder e me passam a dominar.
d. Mas pensemos que em vez desses, me aparecem outros que me vão encontrando explicações científicas para esses fenómenos e eu começo a pensar que se há explicação para aqueles, também aparecerão certamente explicações para os que ainda não entendo. Lá se vai a ideia de Deus.
e. Agora vamos novamente voltar à ideia do Deus a que fui ensinado a respeitar, adorar e crer. Um Deus amor, um Deus bom, um Deus governador da humanidade, um Deus que zelará por mim e me levará a ser cada vez mais próximo dele mas que me castigará se eu não proceder segundo os seus mandamentos.
f. Que vejo eu?
1. A humanidade cada vez mais perversa.
2. Eu a fazer cada vez mais asneiras e a ser cada vez um ser mais ignóbil, egoísta, prevaricador, ingrato, etc., etc.
3. Guerras entre os povos pela diferença das religiões, cor da pele, pela obtenção abusiva de bens materiais, etc., etc.
4. A ver os bons, os pobres, as crianças e as minorias a sofrerem as maiores agruras.
5. A ver os ricos, os políticos, os bandidos, os avaros os dirigentes que nos levam à guerra e outros maus da fita a viverem à grande à custa dos desgraçados da alínea anterior
6. E a não ver Deus a pôr cobro a estas situações.
g. Pergunto: Onde está Deus? Não o vejo. Nunca o vi. Nunca lhe senti os efeitos. Só conheço a sua palavra por aquilo que os homens escreveram e passaram de uns aos outros.
h. Depois vou aprender que muitos outros escreveram sobre também muitos outros deuses que se propuseram a fazer o mesmo que todos os outros fazem.
i. Só posso tirar uma conclusão: Nenhum Deus existe. São todos obra do pensamento humano. Não tenho de temer deuses. Só tenho é que saber cada vez mais, respeitar os outros, e não seguir normas que me são impostas por homens em nome de seres sobrenaturais e seguir apenas as regras construídas por homens mas através do exercício da democracia pois infelizmente temos de viver segundo normas regulamentares.
j. E agora pergunto: Preciso de Deus para viver? Acho que não.
k. Tenho apenas de procurar ser culto, colocar a minha inteligência ao serviço de causas úteis e procurar ser feliz.
ONDE ESTÁ O DEUS ÓBVIO?
Eu não o vejo!!!
Rui Cabral Telo
Não tinha visto aqueles comentários á roda do Lobo Antunes. O que ele diz para mim representa apenas incultura.
ResponderEliminarEstamos habituados a ver escritores, artistas e outras personalidades dadas como intelectuais serem tidas por cultas ou mesmo muito cultas.
Aqui tenho de fazer a minha separação. Um individuo pode dominar várias areas do conhecimento, umas mais profundamente que outras e por isso quando aparece a falar ou escrever sobre elas acaba por ser considerado culto. Muito bem.
Alguem disse que a cultura é tudo o que resta depois de termos esquecido muito do que temos aprendido. Não considero isto exactamente assim, antes uma espécie de caricatura. Mas tem um fundo de verdade.
Portanto, sem os preconceitos de uma educação religiosa, toda a procura de respostas sobre a vida, a sua origem e futuro, o universo e sua composição tem que fatalmente tropeçar em conceitos e explicações cientificas pelas quais todos devemos ter passado.
Não aceito culturas parciais. Conhecimentos especificos sim mas cultura não.
O Lobo Antunes ao dizer aquilo, para mim é apenas um pobre diabo sem imaginação para mais e que sabe muito pouco sobre muitas areas além de não observar bem o mundo que o rodeia. (mais ou menos disfarçado o mal é sempre o mesmo, seja qual for o nivel de capacidade intelectual do homem: ignorância, medo e por vezes superstição)
Os teus comentários acerca da frase do homem estão muito bons com uma abordagem simplista e certeira.
O que escreves e bem, sobre o fabrico dos evangelhos, figura de Jesus etc. é matéria que, como sabes, tenho já ha muito tempo procurado.