Conversa VII
Cheguei cedo no dia seguinte. Jesus estava sentado no mesmo banco e com melhor cara do que no dia anterior. Os seus olhos estavam mais vivos e o semblante mais aberto. Um pequeno sorriso nos lábios dava-lhe um ar jovial e prazenteiro.
– Bom dia. Vejo que isso vai um pouco melhor. O que o animou tanto?
– Olhe meu Caro Amigo. Disse ele. A noite é boa conselheira e eu não durmo. Penso de noite para executar de dia os meus pensamentos. Esta noite correu-me bem. Hoje vou tentar umas diligências. Pode ser que...
– Jesus, para tema da conversa de hoje trago um assunto que me preocupa. A nossa Juventude anda a ser dominada pelas drogas. Vou começar por lhe colocar o meu ponto de vista sobre o assunto e depois me dirá a sua opinião. Jesus acenou com a cabeça e preparou-se para me ouvir. Não o poupei.
– Actualmente gastam-se fortunas em programas para tentativas de cura de drogados. Criam-se organizações estatais e não estatais para tentativas de reconversão. Aumentam-se substancialmente os quadros policiais para fazer face ao tráfico cada vez mais eficiente e disseminado. A criminalidade ligada à droga cresce assustadoramente. A minha opinião é que se devia fazer à droga o que se fez com o álcool. Liberalizar o mais rapidamente possível. Como sabe, sempre houve drogados no mundo e através dos tempos. Os chineses fumam ópio há milhares de anos, os índios da América do sul sempre mastigaram folhas de coca até ao adormecimento dos corpos e das mentes. Quanto mais se proibir mais drogados teremos e, pior ainda, mais drogados consumindo cada vez mais caro. Cada vez será necessário mais dinheiro para sustentar o vício. Na América, a mentalidade tacanha das gentes suburbanas e mentoras das virtudes, acabou por pressionar os governantes à criação de uma lei proibindo o consumo de álcool. A famigerada lei seca. Não só não acabaram com o consumo como criaram muito mais bêbedos e, pior, criaram os traficantes que elevaram o crime às últimas consequências e não houve esforços policiais que lhe conseguisse pôr cobro. O álcool ficou tão caro que os ricos usaram clubes para o consumir em privado e os pobres dedicaram-se também ao crime para o poderem adquirir. Tiveram que abolir a lei. Os traficantes foram forçados a descobrir outros caminhos para a continuação das suas actividades. A guerra de gangs terminou. Continuaram os bêbedos mas o crime diminuiu e o sossego voltou. Com a droga teremos de fazer o mesmo. Nunca acabaremos com os drogados, mas se acabarmos com os traficantes, deixa de haver o aliciamento e os drogados diminuem. Além disso se um individuo se drogar com qualquer produto a um euro o quilo, não precisa de roubar para o adquirir. Poderá ser acompanhado pelo médico de família e de certeza adquirirá uma droga que não o mate, pelo menos a curto prazo. Os traficantes terão que se virar para outro produto, aquele vai deixar de lhes dar os milhões que agora ganham. Olhava de soslaio para o meu companheiro, mas o seu semblante não mostrava alterações. Ouvia-me atentamente e não me interrompia. Continuei; – Só que eu sei que isto será impossível no actual contexto das nações. Os milhões da droga movem montanhas. Países vivem da droga, bancos vivem da droga, a economia paralela da droga é usada para fazer crescer outras economias. Os Estados que mais dizem lutar contra a droga são os mais hipócritas. Os tubarões da droga estão em todo o lado, em todos os governos, em todas as polícias. Não conseguiremos acabar com isto. Qualquer governo que o queira fazer sozinho, caiem-lhe no País todos os drogados do Mundo. Os outros governos não vão deixar. Que me diz disto?
Jesus descruzou as pernas, suspirou baixinho, e disse: – Os caminhos de Deus poderão conseguir que a juventude se deixe disso, mas é muito difícil pois a grande maioria dos drogados está entre os crentes. Muitos deles até talvez chamem por Deus nas horas da ressaca. Penso que o meu amigo tem razão. Se conseguirmos acabar com os traficantes, e não será certamente pela repressão, não acabaremos com o consumo mas reduzi-lo-emos drasticamente. Se isso fosse possível, seria uma grande conquista. Estou consigo.
– Há coisas que nem os deuses conseguem, não é meu caro? Veja-se o terrorismo. Esse flagelo que é praticado em nome de deus. Como acabar com ele? Porque seu Pai não lhe dá resposta a isto? Eu sei! Na antiguidade ele também o praticou. Para que os Egípcios deixassem sair os Judeus da escravidão, Moisés, em nome de deus praticou montes de actos terroristas. Desde peste, gafanhotos, varas transformadas em serpentes até chegar ao ponto de assassinar todos os primogénitos, tudo foi feito. Isso não é terrorismo? Se a Bíblia assim o ensina, por que não praticá-lo agora? Que moralidade têm os Judeus para apelidar os Palestinianos de terroristas. E o Bush? Não é terrorista também? Os próprios Judeus exerceram terrorismo contra aos Ingleses antes da formação do Estado de Israel. O Sharon foi um deles. Olho por olho dente por dente? deuses... Bah!
Desculpe falar assim consigo, que se diz filho de deus. Eu, felizmente, não o vejo como isso. Ainda bem para mim. Estou à vontade.
Jesus, que até ali estava sorridente, foi ficando cada vez com ar mais carregado.
– Deus, muitas vezes, teve de escolher o caminho da violência para provar aos homens que essa mesma violência nada resolve e só deve ser utilizada em último caso.
– Essa é muito boa, retorqui. Você parece um general militarista a tentar convencer um chefe político a fazer a guerra. Só que violência puxa violência e no fim, não só nada se resolve como quase tudo fica pior e depois, para melhorar, gastam-se montes de recursos a reconstruir o que se arrasou. Meu caro, amanhã se ainda tiver paciência para me aturar, teremos de arranjar temas de conversa mais interessantes, os de hoje só nos deixaram constrangidos. Não temos solução para eles. Estou a ver que o seu Pai é que teve razão, só a destruição da humanidade poderá resolver os problemas. Mas desta não podem sobrar Noés. Até amanhã meu bom amigo. Aproveite a noite para redimir alguma alma tresmalhada. Vá aparecendo. Gosto de dialogar consigo.
Hoje Jesus pareceu-me menos senhor de si. Talvez menos endeusado e mais humano. Muito duvidoso...
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