quarta-feira, 21 de março de 2012

A consubstanciação


Nota: Desculpem o vernáculo, mas sem ele não era a mesma coisa...

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A faixa, Por cima do portão lateral da Igreja, tinha escrito: “Deus é amor. Evangelizar é divulgar e consolidar o amor”.
Como se a divulgação de um mito seja propagação de amor. Tudo na vida, para ser considerado verdade tem de ser provado. Os mitos nunca foram provados. São apenas relatos fictícios de existências dúbias. Os evangelhos, as mitologias, grega e romana, todas as vidas dos variadíssimos deuses, são mitos mais ou menos bem construídos para levarem o povo a acreditar nas verdades que interessam aos seus inventores/seguidores/ sacerdotes, de modo a poderem controlar mentes/corpos/atitudes e com isso garantirem o poder. Todos os mitos religiosos têm vindo a ser construídos através dos tempos, sendo uns desacreditados ou esquecidos, mantendo-se outros pelo trabalho árduo de seitas organizadas com o fim de lavarem os cérebros dos pobres crentes que, levados pelas gerações anteriores ficam a acreditar piamente naquela cultura que lhes foi ensinada, desde sempre, como verdadeira e imutável. A construção de tais mitos até nem tem sido muito criativa pois que uns são cópias descaradas de outros com roupagens diferentes. Os cultos, Mariano, de Astarte ou Artemisa, têm imensas parecenças. Jesus o Cristo é uma cópia de Mitra e este de Dionisius, Krishna e de outros anteriores. Vários deuses foram nascidos de virgens e em Dezembro tendo ressuscitado três dias após a morte, subido aos céus, etc… etc… As trindades já vêm da antiguidade, Osíris, Isis,  Hórus, no Egipto, Visnu, Shiva, Brahma, na Índia, e outras mais, deram origem ao Pai, Filho e Espírito Santo dos Cristãos. As escrituras e evangelhos além de estarem repletos de imprecisões, mentiras e apelos à violência, são também relatos da crueldade dos homens. Mas vá lá um não crente tentar demonstrar isto aos créus. É visto como um ímpio e muita sorte terá se não for escorraçado e apedrejado. Nunca um ateu começou uma guerra por motivo da sua não crença, vejam-se, na história, as guerras iniciadas e mantidas ainda hoje por motivos e bases religiosas. Mas os crentes têm medo de pensar porque pensar pode criar dúvidas e duvidar é pecado. Foi pensando em tudo isto que assisti a uma cena que me levou a fantasiar…
A mulher, mulata de meia-idade, óculos na ponta do nariz, vestidinha assim-assim, sapatos pretos um pouco cambados mas limpinhos, no passeio do outro lado da rua, passou pelo pano branco estendido sem o ver, mas ao atravessar pela frente da porta da Igreja, fez o sinal da cruz terminando devotamente a olhar para baixo de olhos semicerrados. Com esta distracção deu uma tremenda topada num paralelepípedo que se encontrava um pouco levantado no passeio, soltando um audível “porra!!!”
Com o desequilíbrio teve de dar três passos à frente em velocidade não controlada, indo violentamente de encontro a um incauto cidadão que por ali se encontrava lendo pacatamente as primeiras páginas dos jornais estendidos com molas da roupa no painel do quiosque.
– Merda para este paspalhão que está aqui armado em espantalho e não deixa passar as pessoas!
O cidadão, passada a estupefacção do encontrão, reage desta forma completamente irado e de face alterada:
– Estúpida preta de merda, velha gagá! Não vê por onde anda, esbarra violentamente numa pessoa de bem e ainda vem para aqui invectivar um pacato cidadão.
E, completamente exaltado, dá um tremendo empurrão na mulher que se desequilibra e fica sentada no chão. Daí, soltando chispas do olhar, deita a mão à bolsa, tira de lá uma bruta navalha de ponta e mola e levantando-se com uma ligeireza, que o seu aspecto não deixava prever, atira-se contra o homem que recua, mais pelo insólito da reacção do que propriamente do medo, mas após recuperar o sangue-frio, vira-se à velha tentando agarrar-lhe o braço armado. A partir daí as coisas completamente descontroladas, descambam em arranhadelas, pontapés, palavrões tipo “puta da velha”, “cabrão de merda”, puta-que-a-pariu”, “não tens tomates para mim”, etc… As vestes rompem-se, o sangue jorra dos arranhões e dos golpes, felizmente superficiais, os cabelos desgrenham-se, sapatos saltam para as valetas, uma pacata cidadã desmaia, um velhote trôpego, de canadiana foge, tentando correr, pé aqui, muleta acolá, e praguejando foda-se… foda-se… (que me perdoe o Diniz Machado pelo plágio).
É aqui que se começa a dar o milagre. O Cristo no altar, bem ao fundo da Igreja, “vendo” que a aura de amor, que ficara na cabeça da senhora após o católico gesto do sinal da cruz, se tinha desvanecido completamente, resolveu materializar-se e, saindo do santo lenho, com os membros doridos por dois mil anos de inacção naquela incómoda posição, corre pela porta do templo e dirigindo-se aos contendores, mete-se pelo meio tentando afastá-los e dizendo:
– Não esqueçam o amor em Cristo, de Cristo e para Cristo. Peçam perdão das vossas ofensas e perdoem a quem os ofende.
E o milagre deu-se. A contenda parou. Parou mas foi entre os beligerantes. Após a estupefacção por aquela estranha aparição, voltam-se ambos contra o novo personagem. O homem vai direito ao divino ser e grita-lhe:
– Drogado de merda! Que queres tu daqui esquizofrénico de uma porra! Vens para aqui da tanga, cabeludo e barbudo? Quem és tu para julgares os outros? Vai mas é à merda e desaparece, esqueleto infecto!
E juntando o gesto às palavras dá-lhe uma tremenda bofetada esparramando a insólita personagem pela calçada. O pobre, dizendo mal da sua sorte, arrasta-se até ao passeio e senta-se agarrado à face dorida. A mulata, apanha do chão a canadiana do velho, que entretanto se estatelara ao olhar para a cena não tendo visto o término do passeio, e ferra na aureolada cabeça, valente cacetada que quase deixa o re-ressuscitado inconsciente.
Começam a ouvir-se as sirenes do carro da polícia que, entretanto, uma indignada senhora tinha chamado pelo telemóvel. Dois guardas, um masculino, outro feminino, saem do carro dirigindo-se aos contendores pronunciando alto e bom som o clássico:
 – “ O que se passa aqui?”
Nesta altura, terminadas as beligerâncias, toda a gente tenta justificar-se perante a autoridade, num sobrepor de vozes e tentativas de explicações. Perante tal confusão os polícias gritam: – Tudo para a esquadra! E vai daí agarram o homem e a mulher dirigindo-se para a viatura.
Foi então que a mulher-polícia, olhando para trás e vendo o homem seminu sentado no passeio, exclama: – Então e aquele?
O pobre coitado estava completamente descorçoado. Já não se pode pugnar pelo homem. A criação divina está acabada. Ou então nunca começou. E tinha ele deixado que o crucificassem para remissão dos pecados humanos. Grande treta! E os humanos? Ligaram alguma coisa a tal facto? Benzem-se, persignam-se, não sabem o que tudo isso quer dizer. E será que quer dizer alguma coisa? Enquanto a agente da autoridade se dirigia para ele, pensou tudo isto. Terá valido a pena? Tenho de ser preso? Outra vez? Passar tudo de novo? E se me voltam a crucificar? Bah! Que se lixe a Humanidade. O melhor mesmo é não existir. E esfumou-se perante os olhares atónitos de todos os presentes voltando para a cruz no cimo do altar. Os crentes, que rezavam na Igreja, nem deram por nada.
Como as coisas se passariam, se:

  1. A humanidade não fosse criação de deuses.
  2. Não se tivessem organizado seitas oportunistas exploradoras das superstições dos homens.
  3. As mentes não diferenciassem as cores de pele dos humanos.

A mulher seguia pelo passeio falando com os seus botões. A filha, coitada, tinha-lhe pedido para ir comprar uns ténis baratos para o neto, ela não podia faltar no emprego, as avós têm, nos tempos que correm, de substituir os pais nestes pequenos afazeres. De tão preocupada que ia não reparou no paralelepípedo levantado no passeio e deu enorme tropeço que a obrigou a correr em frente para recuperar o equilíbrio indo de encontro a um senhor que pacatamente lia os cabeçalhos dos jornais expostos no painel do quiosque.
– Ai desculpe mas foi sem querer, tropecei e perdi o equilíbrio.
– Não tem importância, minha senhora. Aleijou-se?
– Dei um pequeno torcegão ao pé, que me dói um pouco e julgo que parti um salto.
– Olhe. Deixe-se estar que eu ajudo-a. Tenho ali o carro e vamos a minha casa. A minha mulher tem mais ou menos a sua estatura e deve ter por lá um par de sapatos que lhe empreste.
A pobre senhora não queria incomodar, estava já sem tempo, tinha de voltar a casa, o neto estava só e ainda era preciso fazer o almoço para os três.
– Deixe estar obrigada, não se incomode pois estou sem tempo. E tentou andar o que não conseguiu devido à diferença de alturas nos sapatos.
– Eu não disse! Está a ver. Vamos num instante que isso já se resolve.
A mulher, um pouco timidamente, lá condescendeu. O senhor tinha cara de gente honesta e não havia motivo para o não ser. Já não era nova nem bonita, certamente não o moveria a volúpia, além disso disse-se logo casado. Também não seria para a roubar, via-se bem que ela não era pessoa de posses e nem jóias usava.
– Então está bem. Agradeço bastante a sua ajuda.
O homem ajudou-a até ao carro, um modesto calhambeque, comprado em segunda mão com muito esforço, e rumaram até ao bairro camarário onde vivia numa humilde casa conseguida através de um pedido que fizera à câmara, tendo-lhe calhado em sorte aquando da distribuição pelos muitos candidatos.
Ao chegarem, a sua mulher recebeu a senhora com todo o carinho, logo após que ouviu o relato dos factos.
– Não há problema nenhum vou já buscar uns sapatos meus, temos mais ou menos o mesmo tamanho de pé, vai ver que lhe vão assentar bem.
Voltou com uns sapatos, o frasco do álcool etílico e um maço de algodão. Depois de dar uma massagem no pé um pouco inchado, calçou-lhe os sapatos dizendo:
– Experimente andar um pouco.
Depois de uns pequenos passos, com o pé ainda um pouco dorido, lá se verificou que os sapatos pareciam ter sido feitos para ela. – Olhe que bom. Parecem meus. Amanhã já venho devolver-lhos.
– Não se preocupe, eu já nem os usava. São do meu tamanho mas o feitio de forma não se dá com o meu pé. Até estava para os dar a alguém que precisasse. Assim ficam já para si.
A pobre senhora, com as lágrimas nos olhos, cheia de gratidão, mas com alguma vergonha, desfez-se em agradecimentos enaltecendo a bondade dos dois e que tinha muita pena de ter que se ir já embora por causa da filha e do neto quando o que lhe apetecia era ficar ali no aconchego daquela casa conversando com o simpático casal.
– Deixe que o meu marido vai levá-la a casa e já agora vai levar uns pastelinhos de bacalhau que acabei de fazer e são demais para o nosso almoço. Assim só precisa de fazer um arrozinho e perde menos tempo.
Depois das despedidas e promessas de que se haviam de voltar a encontrar, em circunstâncias menos problemáticas, para se conhecerem melhor, lá se meteram no carro.
O homem deixou a senhora à porta de casa não sem antes lhe recomendar que deveria dar uns banhos de água salgada ao pé para mais rapidamente lhe passar a dor e o pequeno inchaço. Depois de muitos agradecimentos pelo simpático acolhimento e ajuda, a mulher subiu as escadas.
Quando o neto lhe abriu a porta, as lágrimas escorriam-lhe pela face.
– Estás a chorar Avó?
– De alegria meu filho! De alegria!
Deveria ter sido assim. Mas não foi. O John Lennon é que tinha razão…



Imagine

Imagine there's no heaven,
It's easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people
living for today...

Imagine there's no countries,
It isn't hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people
living life in peace...

Imagine no possessions,
I wonder if you can,
No need for greed or hunger,
A brotherhood of men,
imagine all the people
Sharing all the world...

You may say I'm a dreamer,
but I’m not the only one,
I hope some day you'll join us,
And the world will live as one

Imagine

Imaginem que não há paraíso,
É fácil se tentarem.
Nenhum inferno abaixo de nós,
Sobre nós apenas o céu.
Imaginem todas as pessoas
Vivendo pelo hoje...

Imaginem que não existiam países,
Não é difícil de o fazer,
Nada porque matar ou morrer,
Nenhuma religião também.
Imaginem todas as pessoas
Vivendo a vida em paz...

Imaginem nenhuma propriedade,
Eu maravilho-me se conseguirem.
Nenhuma necessidade de ganância ou fome,
Uma fraternidade de homens.
Imaginem todas as pessoas
Compartilhando o mundo todo.

Podem dizer que sou sonhador,
Mas eu não sou o único.
Eu espero que algum dia se juntem a nós,
E o mundo viverá como um só.



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