quarta-feira, 28 de março de 2012

As Minhas Conversas com Jesus (V)

 Conversa V

 

Mas afinal o tipo devia ter alguma ideia em mente. Tinha que lhe perguntar quais os projectos futuros. Acho que também o vou inquirir sobre a sua apreciação da actualidade. Já que se mostrava tão sabedor das coisas da antiguidade, sempre queria ver qual a forma como via os novos tempos.
Levantei-me de novo bem cedo. Com estas conversas tinha deixado de apreciar as pessoas. Assim dei um bom passeio pelo meu bairro. Como de costume fui dar uma vista de olhos à montra da Livraria. Fazia-o tantas vezes que a livreira já me conhece. Faz sempre uma cara de enjoo. Ver ali um tipo que vê os livros todos e não compra quase nada. E é verdade, normalmente leio os livros que o meu filho compra. Temos gostos parecidos e a ele sobra-lhe mais dinheiro. Tem menos despesas. Depois de me pôr em dia, continuei o meu passeio. As pessoas são diversas, mas as expressões bastante idênticas. Caras fechadas, com ritos de tristeza e preocupação. Quase não me lembro de cruzar com alguém que ria. Quando isso acontece são normalmente os muito jovens que ainda vivem sem preocupações de maior. Ainda bem. Vão ter muito tempo para carpir...
Olhei e lá estava ele... sorrindo, braços esticados sobre as costas do banco, pernas estendidas e cruzadas...alguém pensaria que aquele homem era um deus... mas que estou a pensar? Chiça!.. já não sei que diga...
– Jesus! Meu Caro! Bons olhos o vejam...por onde tem andado?
Como é que um tipo como eu chega um estado destes? Devo estar a emalucar! Eu? Um pragmático? Um céptico? A falar assim com um mortal que se diz deus?
A bonomia do olhar de Jesus acabou com as interrogações. A disponibilidade que demonstrou para me aturar deixou-me completamente rendido. Sentei-me a seu lado, estendi-me, cruzei as pernas...
– Meu Caro. Estou a ficar aquilo a que se chama um grande sorna. Só me apetece é cavaqueira. Ainda bem que está aqui para me ouvir.
– Ao longo dos tempos sempre estive disponível para ouvir fosse quem fosse. O necessário só, é que as pessoas se aproximem e me ponham os problemas. Se puder, logo encontrarei as soluções.
– Mas isso é o que qualquer psicólogo ou psiquiatra faz. Ouve as pessoas, deixa-as falar expondo os seus problemas e pouco fala. O meu Caro Jesus nem precisa de falar...
– É isso! Se pusermos as pessoas a deitar cá para fora aquilo que as preocupa, se o fel for saindo, se o substituirmos por um pouco de bom senso, se formos amaciando os corações, se formos esvaziando o amargo da mente...As soluções aparecem...nessa altura dei uma ajuda.
Comecei a ver a sua razão. Os homens sempre necessitaram de ajuda. Seja ela natural ou sobrenatural. Realmente somos os mais carentes de entre todos os animais...os outros não precisam disto.
– Pois! Pusemo-nos com estas filosofias e não cheguei a formular-lhe as perguntas que trazia engatilhadas. Está com disposição para me aturar?
– Amigo, aturo todos os mortais que por mim chamam há 2004 anos. Bem, mais coisa menos coisa, porque o Dionisius o “Exíguo”, como sabe, errou na determinação do ano do meu nascimento mas, isso não é importante.
– Também a culpa foi do Gregório. Disse eu. – Com aquela pressa de deixar o calendário da era de César... Foi a mania de tornar tudo divino. Porquê? Qual o mal da contagem dos anos ser a de César? Alguma havia de ser. Estávamos naquela por que não continuar? Achou bem a mudança?
– Estou-me nas tintas! Respondeu Jesus. Isso só aconteceu cerca de 1582 anos depois de me ter ido daqui.
– Boa! Gostei da resposta. Sabia que nada tinha tido a ver com isso. Agora estou totalmente convencido.
Jesus continuou a olhar-me com aquele olhar de quem tudo vê e tudo compreende. Ou melhor, de quem tudo aceita. Na maioria das vezes é melhor aceitarmos, compreender é mais complicado.
Fizemos uma pausa. Ambos aproveitámos para observar o povão anónimo que circulava.
A conversa é como as cerejas, a gente puxa e vêm mais sempre atrás, estávamos a falar há tanto tempo e eu ainda não tinha formulado uma única pergunta que trazia na mente. Interrompi a meditação e disparei:
– Meu amigo. Diga-me. Que pensa dos tempos de agora? Acha que estamos melhores? A dita civilização serviu para alguma coisa?
– Não estão melhores nem piores. Estão na mesma! Jesus ao dizer isto revelava alguma mágoa.
– Como assim? Evoluímos. Estudámos. Aprendemos. Cultivámo-nos. Isso é estar na mesma?
– Teria sido muito bom se o homem tivesse alterado a sua natureza. Alguns tentaram, mas em vão. A humanidade continua egoísta, perversa, déspota, prepotente, gananciosa. A inveja e o querer mais dominam as mentes de quase todos. E o pior é que quando não o conseguem por meios naturais, aplicam todos os outros. Roubam, violentam, guerreiam. Servem-se do que descobriram, mais para destruir do que para construir e se algo constroem é a pensar no lucro do que daí advirá. Ninguém dá nada a ninguém, os Estados não servem para socializar, mas sim para imperializar. O fim vai ser triste...
– O meu Caro Jesus tem uma solução?
– Tentei já uma vez, deu no que deu...estou a ganhar forças para tentar de novo. Agora, talvez, com novas filosofias...quem sabe...pode ser...
– Mas, Jesus? Acredita na mudança?
– Tenho alguma esperança. Disse ele. Mas pouca. Estou ainda a pensar na estratégia que vou usar para tentar mudar as mentalidades. Depois vou construir a ordem de operações táctica. Tenho de analisar os meios a usar e as pessoas a mobilizar, enfim, muito trabalho pela frente.
– Chi... Isso parece mesmo uma operação militar. Organização não vai faltar, resultados serão difíceis. E, olhe lá, não tem medo que o apelidem de comunista? Lembre-se que já alguns tentaram mudar a maneira de viver dos povos e não deu. As tentativas de socialização chocaram sempre com aquilo a muitos chamam de liberdade. Como se a iniciativa privada completamente liberalizada fosse melhor! Realmente, o contrário também não resultou. Os socialistas, no poleiro, não resistiram à tentação do quero posso e mando.
– Tem razão. Vai ser muito difícil. Mas vale a pena tentar. Temos de mudar as mentalidades. De contrário não auguro nada de bom para a criação divina.
– Olhe, Jesus, não me venha com essa que já não pega. Não acredito que esta humanidade seja criação divina, ou então, Vocês, os deuses, são muito maus obreiros. E com esta me vou que se está a fazer tarde e a família não tem culpa destas nossas lucubrações. Amanhã, se me quiser dar o gosto de aparecer, cá me encontrará. Passe bem...
Jesus acenou com a mão e abanou afirmativamente a cabeça. Ficou pensativo...

Sem comentários:

Enviar um comentário