Conversa VIII
Tenho de falar com Jesus sobre democracia. É um tema que me traz preocupado. Esta democracia actual é cada vez menos democrática. Saberá ele algo sobre isto? Deve saber. Pelo menos até aqui tem demonstrado saber quase tudo. Aliás, sabe tanto que até a mim, um céptico, me começa a deixar montes de dúvidas. Jesus apareceu estava eu nestas conjecturas. Vinha a assobiar, mãos nos bolsos, olhando para o chão como quem vem a pensar e nada vê.
– Boa, Jesus, vejo que vem bem-disposto, mas pensando em algo intensamente. Que o preocupa?
– Olhe, meu bom Amigo, estou contente por um lado e preocupado por outro. Comecei a interessar um bom grupo de jovens pelas minhas palestras. Isso é um grande motivo de preocupação. Será que todos me vão aceitar? Será que muitos outros, que assistem de fora, aceitarão o interesse dos primeiros? Temo que se possa criar algum diferendo entre uns e outros. Isso seria a última coisa em que estaria interessado. Estou aqui para unir e não desunir.
– Tome cuidado, Jesus. Lembre-se do passado. A humanidade é perigosa. Quando não aceitam algo, podiam ao menos deixar os outros decidir por eles próprios, mas não, acabam por interferir e quase sempre negativamente com consequências funestas. Mas bem, vamos prosseguir as nossas conversas. Da sua vida terá que ser o meu bom amigo a cuidar.
Olhe, hoje vamos falar de política. Importa-se?
– Claro que não − disse ele. Falaremos do que quiser.
– Então vou prosseguir. Não concordo nada com o regime democrático em que vivemos. O partidarismo tem sido uma desgraça completa. Os políticos são em primeiro lugar partidários e não deixam espaço para a dedicação ao País e ao povo. Tenho um amigo, homem sóbrio, culto, inteligente e principalmente honesto, que advoga um regime com o qual concordo inteiramente. Diz ele que os partidos não podem governar. O Executivo tem de ser formado de modo completamente diferente. Eu também acho que a democracia tem de nascer debaixo para cima e não de cima para baixo. Os cidadãos têm de ter uma maior participação nas políticas, e isso só se pode fazer através das autarquias. As listas partidárias deveriam apresentar sempre representantes quer de bairros, quer de freguesias quer de concelhos, quer de distritos, cidadãos desses bairros e autarquias e, os mesmos deveriam fazer campanhas eleitorais nas suas bases. Esses representantes poderiam ir sempre subindo na cadeia hierárquica até chegarem à Assembleia da República representando e pugnando pelo seu círculo eleitoral. Diz esse meu amigo, e eu concordo, que a Assembleia da República só elaborará as leis e aprovará o Orçamento de Estado, o executivo nunca poderá ser partidário. Será o Presidente da República, através de um governo da sua escolha e responsabilidade, o executor do Orçamento que, para ser alterado, deverá tornar à Assembleia.
O grande representante do Povo será sempre o Presidente da República que nunca poderá ser partidário. Será eleito por sufrágio directo e universal ficando com a missão de chefiar o Executivo. O Presidente só terá de prestar provas perante o povo. Terão de existir normas legais para o povo poder propor mudança de Presidente com eleição de um novo, se o eleito não governar dentro do programa que apresentou. Se for chefiando a governação, dentro dos parâmetros previamente definidos e dentro dos condicionalismos que forem surgindo, mas aceites, o Presidente continuará a governar enquanto o povo achar que o faz bem feito. A Constituição terá de ser alterada para se criarem regras que evitem o aparecimento de ditadores. O governo será sempre da competência do Presidente e será sempre profissional, saindo do funcionalismo público. O funcionalismo público terá de ser modernizado e modificado devendo os funcionários serem escolhidos e promovidos, não só pela sua formação como também pela prestação contínua de provas. Deveriam ser criados organismos internos de auditoria permanente a pessoas e serviços. O Tribunal de Contas deveria ter serviços externos processadores de contas e essas deveriam ser de prestação mensal. As contas finais de gerência dos serviços e ministérios serão julgadas por esse Tribunal que deverá não só julgar mas também punir. A corrupção não poderá existir. Temos de acabar com isto de se nascer contínuo e acabar Director Geral só porque se não morreu. Penso que com este regime, acabarão as governações a belo prazer dos partidos que normalmente só tomam as medidas que consideram mais eleitoralistas e não aquelas que o povo necessita. Agora quero a sua opinião.
– Deus nunca necessitou de Democracia para levar o povo a fazer o que ele considera o melhor para todos, disse Jesus continuando de pernas estendidas, cruzadas e de mãos nos bolsos.
– Aí, meu bom Amigo, também concordo consigo, disse-lhe. Só que deus sempre foi um ditador. Pelo menos seguiu os métodos deles, exigindo obediência, temor, muita dedicação e sem fuga às suas leis. Se houver divergências e acções contrárias lá estará o castigo. Não me lembro de nas escrituras ter lido algo sobre processos democráticos.
Jesus riu e foi dizendo:
– Pois é, mas Deus é ser supremo e sabe sempre o que é melhor para os povos.
– Isso, meu amigo! Repliquei. Isso, se deus fosse realmente bom e justo, seria ouro sobre azul, mas infelizmente não tem sido assim. Todos os deuses, do que me foi dado conhecimento, foram déspotas e vingativos. Ditadores completos.
– Eu, não! Disse Jesus um pouco agastado. Eu sou a 2.ª pessoa duma trindade que foi melhorando ao longo dos tempos. No início, os homens eram tão duros que os Deuses também tinham de o ser.
– Então continuem, disse eu. Continuem porque se vamos a ver, nunca os homens foram tão duros como agora. Até amanhã e, pense no que lhe disse, veja se arranja uma forma de fazer com que a ideia do meu amigo possa ser executada.
– Nem pense, disse Jesus. Não me meto em política.
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