segunda-feira, 26 de março de 2012

As Minhas Conversas com Jesus (III)

Conversa III


Cheguei mais cedo. Aquele tipo estava a começar a prender a minha atenção. Quem seria ele? Talvez algum padre renegado que tenha sido posto fora da congregação. O certo é que discutia estes assuntos com alguma coerência e não era estúpido nenhum. Eu até já conseguia falar com ele como se do verdadeiro Jesus se tratasse. Só que, quando parava, era assaltado pelas dúvidas.
Estava nestas deambulações cerebrais quando ao olhar para o banco, lá estava ele. Nunca o via chegar.
Desta vez aproximei-me eu.
– Bom dia Jesus. Como vai Você? O indivíduo olhou-me um pouco estranho, como se eu não soubesse que ele estaria sempre bem.
 − Faço-lhe esta pergunta porque parto do princípio que Você deve ter alguma missão específica aqui na Terra. Só depois de ter dito isto é que me senti completamente idiota. Eu? Eu a dizer aquilo? Devo estar a ficar choné.
– Claro! Disse ele. Claro que tenho. Mas ainda não a comecei. Quero primeiro trocar impressões com pessoas como Você. Só os não crentes podem ser críticos objectivos. Os outros são sectários. Crêem e pronto. Ninguém consegue pôr-lhes a mona a funcionar. Lá estou eu a falar como os putos que escuto por aí. Os crentes, dizia eu, aprendem a rezar desde pequenos. Depois são levados para as missas sem saberem o que vão fazer e ver e, lá lhes fica incutida no espírito a crença que nunca mais largam só por ser também a dos Pais e dos Avós. Nunca gostei disso. Ficaria muito mais satisfeito sabendo que a crença deles só lhes ficaria no interior depois de lerem, estudarem, meditarem, descrerem, voltarem a crer, estudarem as outras religiões comparando-as, etc...
– Mas isso é perigoso para as religiões. Disse eu um pouco a medo. Quanto mais se estuda e compara, mais se verifica que todas essas crenças são copiadas umas das outras, que os princípios são os mesmos, que os fins são, muitas das vezes, inconfessáveis, que os mentores, os sacerdotes, são apaniguados das seitas puxando todos para uma tomada de poder. Poder esse que as respectivas igrejas aproveitam para dominar os seguidores levando-os para situações de ignorância que lhes será sempre favorável. Não concorda comigo? Quando pensou em criar a sua Igreja e fez de Pedro a sua primeira pedra pensava em situações destas? De tomada de poder para dominar povos e consciências?
Jesus olhava para mim. Via-se que estava pensando na resposta a dar-me de modo que a dúvida não ficasse no meu espírito. Calmamente disse-me:
– Meu Pai enviou-me à Terra com uma missão de apaziguamento. Se as intenções eram outras eu não sei. Só sei que me tornei humano demais e comecei a gostar de o ser. Como divindade ficava demasiado afastado de tudo e todos. Ninguém era como eu. Todos casavam, todos tinham filhos, todos tinham amigos e inimigos, enfim todos viviam. Eu por ali andava a pregar doutrinas que ninguém seguia e cumpria. Resolvi humanizar-me. Quando conheci Madalena fiquei completamente siderado. Aquela beleza, lucidez, inteligência, forma de ser e estar fascinou-me. Fiquei completamente apaixonado. Decidi que queria compartilhar com ela venturas e desventuras. Passámos a viver juntos. Os meus seguidores ficaram enciumados. Temeram que me dedicasse demais à minha amada e descurasse aquilo que me tinha proposto realizar, mas não era assim, eles é que não sabiam da minha perseverança na missão que me fora confiada. O Pai também não gostou. Por isso castigou-me. Cedo soube que iria ser traído preso e crucificado. Não era preciso ser Deus para ver que os grandes da lá da terra andavam um pouco apavorados com o que lhes contavam sobre mim. Toda a gente com poder fica vacilante quando aparece alguém que se impõe pelas ideias e palavras. Meu Pai abandonou-me. Tentei que Madalena continuasse a minha obra. Não deixaram. Traíram-me completamente. Esconderam tudo da minha vivência. Os meus filhos passaram à clandestinidade para sobreviverem. Todos os escritos que não serviram aos intentos dos que ficaram foram destruídos ou escondidos. Outros foram fabricados à medida dos construtores de uma Igreja na qual não me revejo. Voltou tudo à mesma. Começou a matar-se em nome de uma cristianização que não advoguei, que não quis. Os povos tornaram-se cada vez mais mesquinhos e ciosos das suas crenças. Considerando que as suas é que eram as boas, trataram de aniquilar e torturar quem não as seguisse. Por isso voltei. Vejo que hoje as coisas não estão melhores. Continua a matar-se em nome de Deus. Na Irlanda católicos e protestantes digladiam-se. Árabes e Judeus destroem-se em nome de um Deus que no fim dizem ser o mesmo. Luta-se pelo poder. Luta-se por bens materiais. Os povos continuam ignorantes. Os ricos continuam a roubar e explorar os pobres. O racismo está mais aceso do que nunca. Até na Europa, dita civilizada, se mata por diferenças religiosas. Como pode acontecer isto? A minha palavra foi desvirtuada. Tive de voltar. Só que agora não sei o que fazer! Chiça para isto!
Começava a ter pena daquele desgraçado. As palavras saíam-lhe fluentes e sinceras. Tinha lágrimas ao canto dos olhos e parecia meio perdido no seu desgosto. Comecei a lembrar-me do livro que tinha lido. Afinal aquele tipo do Código DaVince tinha razão, a vida de Jesus ainda era uma grande incógnita. Eu estava, através dele a ser, talvez o primeiro a ouvir de viva voz algo que já se tinha falado e escrito mas muito incipientemente e quase sempre desmentido pelos “senhores” da Igreja. Já não entendia nada. Disse-lhe: – O meu Amigo está cansado. Vá-se deitar, amanhã falamos.
Acenou-me assentindo com a cabeça. As lágrimas continuavam a saltar-lhe dos olhos. Retirei-me sem olhar para trás.
Fui para casa meio estúpido e descorçoado. Como é que me tinha metido nisto? Agora estava totalmente fascinado por aquele tipo.

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