sábado, 7 de abril de 2012

Novas Conversas com Jesus (I)

Numa das minhas voltas passei no largo onde há quatro anos tive o encontro com aquele malogrado tipo que se intitulava Jesus Cristo e a quem, com requintes de malvadez suspenderam no cruzeiro e lapidaram até à morte. Pobre homem que até tinha bom fundo e queria voltar a pôr em prática os princípios já gastos e arcaicos de um cristianismo que todos dizem seguir mas que não cumprem.
Lembro como foi bom falar com ele, como as nossas conversas foram amenas apesar de divergentes. A minha imaginação voltou atrás como se hoje fosse o dia seguinte a um daqueles em que conversámos.
Estava nestas divagações, quando ao olhar para o banco de madeira e ferro que a autarquia colocara nos passeios, o vi como se sempre ali tivesse estado. O mesmo fato, a mesma posição, o mesmo olhar, o mesmo sorriso...
O tempo estava ameno, nem calor nem frio, a sombra das árvores tapava o banco onde se encontrava e eu estava com disposição para a conversa, mesmo sabendo que ia ser de confronto de ideias.
Depois de me convencer de que era ele mesmo, dei alguns passos até me postar na sua frente.
– Olá Jesus! Por cá de novo?
Continuou a sorrir olhando para mim com aquela auréola luminosa que emanava clarividência, bonomia, vontade e prazer de me ver.
– É como vê. Voltei.
– Da última vez que me lembro de o ver, Você tinha acabado de morrer. Como fez isso?
– Nada que não tivesse já acontecido antes. Volto sempre que queira. Como sabe os Deuses aparecem a quem os chama ou precisa deles nem que seja só para conversar.
– Conversar? Poucos crentes conversam com deus, limitam-se a entrar numa igreja, sentam-se ou ajoelham-se, debitam uma série de ladainhas que os obrigaram a empinar, os seus ancestros, ou na catequese mais ou menos obrigatória, a maioria nem entende o que está a dizer, conheço imensos que não sabem o que significa Ave ou Ámen.
– As vozes dos crentes chegam sempre aos céus.
– Mas como apareceu de novo e porquê?
– Ressuscitei como de costume.
– Pois! Mas isso aconteceu há dois mil e tal anos. Porquê agora esta frequência? Há quatro anos voltou a acontecer-lhe quase o mesmo que antigamente e tenho a impressão que se vai outra vez dar mal com a experiência. Porque insiste?
– O meu Caro queria falar comigo e eu aqui estou.
– Mas eu não sou crente. A necessidade de falar consigo é apenas pelo confronto de ideias, como se esta conversa fosse entre mim e os créus que o vêm como produto híbrido de um deus e uma terrena, ainda por cima virgem. As mitologias grega e romana, estão cheias desses semi-deuses que foram perdendo a sua importância e força até se tornarem aquilo que agora são, simplesmente mitos.
– A humanidade continua a precisar de mim. Isto vai de mal a pior.
– Acha que sim? Não tem valido de nada! As suas prédicas caem sempre em saco roto. Ninguém lhe liga nenhuma. Mesmo aqueles que se dizem seguidores da sua palavra só se lembram de si enquanto estão na missa ou quando a vida lhes corre tão mal e já não têm a quem recorrer. Nessa altura todos gritam “ Ai Jesus, Deus me valha”, mas logo que a crise passa mandam as crenças às couves e voltam a ser os seres mesquinhos e desprezíveis que sempre foram.
– É para tentar mudar isso que volto.
– Isso é que é persistência. Ainda bem. Estava sempre a dizer a mim mesmo que Você só tinha aparecido naquela época, ainda por cima a Judeus descrentes em si, como messias, e que nunca mais tinha voltado. Agora num espaço de quatro anos, já é a segunda vez que o vejo. Pena que só eu, um ateu, fale consigo, os outros, aqueles que se dizem crentes, assim que Você começa com os seus sermões e diz quem é, escarnecem de si e acabam a pendurá-lo num cruzeiro. Mas ainda bem que voltou. Assim podemos ter de novo algumas conversas que me esclareçam. Não que me convençam, pois já é tarde para mudar de ideias.
– Se o esclarecer em algo já dou por bem o meu regresso.
– Olhe que lhe vai dar muito trabalho e terá de haver muita argúcia da sua parte. Cada vez estou mais incrédulo.
– Vou tentar. Essa é a minha missão. Evangelizar e colocar algum bom senso na cabeça dos homens.
– Fraca missão essa. Não teria melhor sucesso se fizesse com que os homens estudassem, se cultivassem, se tornassem melhores profissionais virados para os problemas que afectam os seres humanos, para a natureza, que todos ignoram e degradam até chegar o colapso total? Acha que isso se consegue com estórinhas do tempo da Maria Cachucha que andam a ser contadas sem sucesso há dois mil anos?
– Temos de tentar. Com o amor e a bondade tudo se consegue.
– Amor e bondade? Não brinque comigo! Amor e bondade para energúmenos egoístas que só pensam em dar cabo uns dos outros para obterem benesses materiais? Matam-se pais e filhos por heranças, por ciúmes, por sexo, por dá cá aquela palha. Cada vez se liga menos à instrução e ao saber. As pessoas estão cada vez mais snobes, mais fúteis e mais interesseiras. Cada vez há maior separação entre grupos étnicos, religiões e cor da pele. O meu caro saiu cá uma encomenda. Depois não volte, daqui a outros quatro anos, a dizer que o tornaram a pendurar na cruz… Olhe! Amanhã, se ainda andar por aqui, tenho montes de perguntas para lhe fazer. Agora vou para casa que se faz tarde.
– Até amanhã e vá com Deus.
– Pois…pois…
Fui para casa perplexo comigo mesmo. Como é que eu, não acreditando em nada do que as religiões impõem como sobrenatural e dogmas e, tendo até dúvidas da existência de Jesus, mesmo como homem, por falta de provas históricas ou científicas, me preocupo tanto a pensar nestas coisas? O que talvez me desperta a curiosidade, no fim, é tentar perceber, como é que os que construíram as filosofias de cariz religioso puseram os homens a crerem nelas sem sequer os levarem a interrogarem-se e porem em causa as intenções dos que o fizeram.
Os deuses nascem da ignorância dos povos que têm tendência a atribuir ao sobrenatural aquilo que não entendem e, as religiões, não são mais do que regras, atribuídas pelos humanos, para explorarem as crendices dos ignorantes. Com essas regras, levam ao poder hierarquias constituídas pelos sacerdotes que se unem como seita. As seitas criam depois misticismos de que falam mas não explicam, no intuito de imbuir no interior dos seguidores de que só os eleitos, eles, são suficientemente iluminados para compreenderem as mensagens escondidas nesses misticismos. Nasceram assim as ordens religiosas e não só. A própria Maçonaria é uma seita não religiosa, mas cheia de misticismos de modo a causar um ambiente esotérico aos seus seguidores. Vejam-se os templários, que se criaram como guarda armada de um templo cheio de segredos e mitos inventados para os tornarem míticos, mas no fim o que pretendiam, todas as seitas, era tomar o poder. Assim, vão levando os crédulos a considerá-los iluminados dos deuses. Isto não é mais do que a criação de um poder enorme sobre os outros. Normalmente estes poderes criam organizações riquíssimas que se vão cada vez mais infiltrando e crescendo à custa dos donativos e do comércio da fé. Vejam-se as igrejas mundiais. O poder das igrejas é tão grande, que na maioria das vezes conseguem sobrepor-se aos estados impondo-lhes regras que as perpetuam. Para garantirem os seus poderes, fazem autenticas lavagens aos cérebros dos prosélitos, fazendo-lhes crer que a sua é a única crença válida e que todas as outras são sofisticações. Com essa prática, criam ódios e clivagens que levam a guerras e terrorismo. Os estados, em vez de se tornarem laicos, aceitando e respeitando todas as religiões mas exercendo a suas funções sem qualquer intromissão das ditas, têm tendência para privilegiar a religião maioritária em detrimento das outras, apenas para garantirem votos. Outros estados utilizam as próprias regras religiosas como leis do próprio país e aí conseguem governar pelo medo das excomunhões e dos infernos. Essas leis, por serem atrasadas no tempo e nas ideias, causam enormes estragos nas mentes e vivências, conduzindo aos extremismos.
Parece pois, que todos seríamos mais felizes sem deuses nem religiões, mas vamos dormir sobre o assunto e amanhã lá estaremos para continuar a conversa com um dos deuses que, com uma teoria quase comunista, conseguiu criar uma das igrejas mais capitalistas do mundo. Ou terá sido o contrário?

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