segunda-feira, 9 de abril de 2012

Novas Conversas com Jesus (III)

Confesso que estou a ficar um pouco farto destas conversas, não que não goste do homem, o tipo até é um gajo porreiro, mesmo que não seja muito convincente como deus, também não conheço nenhum que o seja, se aos deuses nós podemos dizer que os conhecemos. Apenas através dos outros, aqueles que sobre eles ficcionaram, nós podemos deles ter algum conhecimento, além de que a maioria dos autores foram e são tendenciosos. O mal deve estar em mim, ao falar tanto sobre a mesma coisa estou a ficar sem argumentos. Gostaria de ter formação em filosofia para poder dissertar sobre estes temas com muito mais propriedade. Mas não se pode ter tudo, tenho de me limitar às conversas ditas normais.
É tão fácil viver sem deus, não ter medo da morte, saber que o fim é mesmo o fim, porque não havia de ser, tudo acaba.
Hoje não tenho tema para falar com Jesus. Vou deixar que ele fale.
Lá estava ele, sempre arranjadinho, a olhar a biqueira dos sapatos muito limpinhos. Pernas estendidas, recostado, mãos nos bolsos. Viu-me antes de olhar, como se me tivesse pressentido, se calhar até me viu antes mas fez de conta.
– Bom dia. Disse-me em voz baixa.
– Bom dia para Você também. De que vamos falar hoje?
– Bom. Digo-lhe que o meu amigo acaba por ter razão. Ninguém liga ao que tenho para dizer. Andei atrás de duas velhotas, ou talvez não fossem, mas pelo modo de vestir e falar pareciam. Diziam-se testemunhas de Jeovah e batiam à porta das pessoas tentando levá-las a acreditar numa série de patranhas tendo por base uma bíblia que traziam na mão mas nem abriam. O certo é que oitenta por cento dos abordados dava-lhes troco e ouvia-as com atenção. Se alguma coisa ficava naquelas cabeças não sei. A grande maioria, assim que a arengação termina, voltam para dentro dos covis e quando chegam junto da chaminé para mexer o tacho, porque entretanto o refogado pegou, já nem se lembram do que lhes falaram. Outros gostaram muito de ouvir mas não perceberam nada, nas cabeças há demasiadas preocupações e pouco intelecto. As pessoas, quer-me parecer, têm necessidade de falar, de comunicar. Vive-se uma época em que se perdeu o hábito da comunicação. Há hoje tantas coisas modernas e interessantes em que ocupar o tempo, que já não se comunica e quando o fazem é de forma virtual, falando mal e escrevendo mal, sobre temas mais ou menos triviais. Os maridos não falam com as esposas, os pais com os filhos, etc. Quando aparece alguém a dar alguma esperança, mesmo que seja através do culto da vida para além da morte, todo o mundo escuta. Eu falo sobre o mesmo e sou escutado, mas se revelo a minha condição divina, todos se riem e se afastam abanando a cabeça como a chamarem-me mentecapto. Alguns partem para a violência verbal e se não me retiro vão até à violência física. Porque será que nesta época já ninguém acredita em deuses vivos? Lá na Palestina, ao princípio, também não acreditaram a não ser meia dúzia dos que me seguiam, e mesmo assim, alguns só o faziam porque pensaram que eu tinha poder para os conduzir numa campanha contra os romanos ocupantes. Logo que morri, fui sepultado, o meu corpo desapareceu, e aí sim, passei a Deus por ter ressuscitado. Parece-me que realmente Deuses vivos não são aceites. Já tínhamos falado nisto. Estamos a repetir-nos.
Jesus falava mostrando um semblante triste e preocupado. Eu, muito céptico sobre o tema, admirava a concentração do indivíduo, como se acreditasse mesmo naquilo que dizia. Como de costume fiz-lhe a vontade não pondo em causa a sua convicção de ser divino.
– Pois é meu caro Jesus, o meu amigo sabe o que passou e pode ter a certeza de que vai voltar a passar. Ninguém o vai levar a sério. Isto não é a América. Lá é que é fácil construir novas religiões e criar novos messias. Mas para isso torna-se necessária uma organização. Aqui vai ser mais difícil de o aceitarem como divino. As pessoas estão tão preocupadas com a crise que nem sequer o vão ouvir, e se o ouvirem vão escarnecer e até partir para a violência. Se o meu amigo, em vez de Jesus, se chamasse Edir Macedo, se falasse com sotaque brasileiro, começasse a vender o céu, aldrabasse os ouvintes com pantomimas de seguidores a entrarem em transe dizendo que falaram com deus, pusesse as assembleias a cantar e a pular, aí teria êxito e ficaria rico à custa de sugar a pobreza dos seguidores. Esses coitados, na ânsia de obterem benesses divinas, acabam na miséria por terem dado tudo o que têm e quando vêm o logro já tarde. Entretanto o grande sacerdote engorda e cria um património tal que o torna um grande e intocável senhor e o povão continua à procura de um deus que, por mais que reze, cante e pague, nunca chega a encontrar. Você sabe que é assim. Use a sua divindade e ponha cobro a isto mas, não vai ser capaz, todas as igrejas fazem o mesmo, umas de forma mais sóbria do que as outras, mas todas engordam à custa da fé dos incautos. É um negócio próspero.
Jesus ouvia-me cabisbaixo e preocupado, não tinha argumentos para contrapor e chegou ao ponto de me perguntar:
– Que acha que devo fazer?
– Essa é boa! Então Você é que é deus, omnipresente, omnisciente e omnipotente, e eu é que tenho de encontrar a solução? Vocês deuses não conseguem cumprir a vossa missão? Olhem! Acabem com a humanidade. Mate-se o bicho morre a peçonha. Arranje outro dilúvio. Um tsunami que dê a volta ao mundo e não deixe ninguém vivo. Mas isso não fazem vocês. Sem seres vivos e inteligentes os deuses acabavam também. Deuses só existem enquanto alguém pensa neles. Se não houver pensantes não há deus.
Deixei-o de rastos. Tive pena dele. Disse-lhe:
– Desculpe lá a verborreia. Vá dormir e deixe-se de tentativas redentoras. Ninguém o merece.
Despedi-me e fui para casa. Da próxima tenho de ser mais cordato ou acabo com a divindade.

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