domingo, 8 de abril de 2012

Novas Conversas com Jesus (II)

No dia seguinte apareci mais cedo. Ele lá estava no mesmo banco como se me esperasse.
– Bom dia. Passou bem a noite?
– Meditei muito. Como não preciso dormir, cogito sobre a minha missão na terra.
– Chegou a alguma conclusão satisfatória? Vocês, deuses, deviam saber sempre o que fazer, mas quer-me parecer que afinal têm muitas dúvidas. Não será assim?
– Não são dúvidas, é optar ou não por diversas formas de actuação.
– Isso não é o mesmo? Quando não sei qual o caminho a seguir é porque tenho dúvidas.
– O meu caro Amigo está sempre a atirar para o torto.
– Pois é. É um vício que tenho. Gosto de contestar as ideias dos outros. Sempre é mais interessante do que dizer a tudo que sim. Sem contestação está tudo certo e nada avança. Mas deixemo-nos de conversa fiada e passemos a coisas interessantes. Que andou a fazer entre o seu nascimento e os seus trinta anos? Os evangelhos ditos canónicos, apenas referem um pequeno facto de algumas palestras suas para os rabinos senhores do templo, aí pelos seus quinze anos, mas não explicitam os temas das conversas que deixavam boquiabertos os intelectuais da época.
– Andei a aprender e a orar a meu Pai preparando-me para a missão a que Ele me destinou.
– Não acha pouco para um deus? Os omniscientes sabem sempre tudo. Acho tempo de mais para preparação de uma missão apenas de três anos. Bolas! Durante trinta anos não dava para se dar a conhecer? E acho que optou pelas classes erradas. Os ricos e intelectuais estariam de certeza muito mais interessados nas suas filosofias do que os desgraçados que depois o seguiram. Criancinhas e pobres de espírito não devem ser os melhores seguidores de novas teorias de vida. Penso também que essa mania de falar por parábolas, também não me parece a melhor forma de se fazer entender por assembleia tão pouco letrada. E se andou trinta anos a aprender, porque não escreveu? Não andou na escola? Olhe que Maomé “escreveu” o que Alá lhe ditou e era analfabeto. Deve ter sido tarefa difícil e não era filho de deus, apenas o seu profeta. Você com a escrita poderia ter posto logo as ideias a circularem com maior velocidade. Assim, só falando, acabou por se fazer esquecer e os seus seguidores não lhe ligaram nenhuma. Só muitos anos depois, as suas teorias foram escritas por pessoas que não o conheceram. Acredito ter havido muita desvirtuação, o que passa de boca para orelha é sempre adulterado de indivíduo para indivíduo.
Claro está que quem escreveu ou quem mandou escrever, exigiu que os textos não fossem simples, assim só os hermeneutas conseguiriam interpretar as escrituras e depois explicar, a seu modo, toda aquela cantilena aos crentes aos quais a exegese nunca foi o forte.
– O meu caro é de força. Se o meu Pai assim o quis, assim o fiz.
– Bah! Lá está a teoria da subordinação. Com todas essas teorias fizeram asneirada. Foi preciso um imperador romano para tornar as suas ideias uma religião oficial de um povo que, ainda por cima, não era o vosso, mas antes aquele que anteriormente tinha sido o algoz daqueles a quem as suas palavras foram dirigidas. Tudo muito mal feito! Como explica que os seus iguais não tenham acreditado em si e depois os vossos colonizadores terem chegado à conclusão que afinal você tinha sido o enviado de um deus em quem eles nunca tinham acreditado e depois se tornou o deus de todos?
– Os caminhos do Senhor são insondáveis e incontestáveis. Não nos cabe colocar em causa os seus desígnios.
– Pois. Tem sido com essas tretas que Vocês vão afastando as pessoas da fé. Não dão respostas e querem que acreditemos no inacreditável. Depois queixam-se que estão a perder a freguesia. Eu sei como foi, ou é assim ou levas no focinho. Tanta porrada levaram, tanto gajo foi queimado e torturado, que não tiveram outro remédio senão seguir aquilo que o imperador tornou fé oficial. E a evangelização forçada continuou pelos tempos fora. Na idade média tinham medo da fogueira, agora têm medo das profundas dos infernos e do belzebu. Bom, continuamos amanhã.
– Até amanhã.

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