domingo, 15 de abril de 2012

O GATO


 (Conto inserido num livro autobiográfico chamado “O Lagarto”)

Havia um homem que tinha um gato do qual gostava muito. Mas o homem vivia com um grande desgosto. Queria e desejava que o seu gato fosse cão. Dos cães conhecia ele as histórias. Dedicação extrema ao seu dono, davam a vida para salvação daqueles de quem gostavam, aprendiam a ser polícias, procuravam droga, serviam militarmente, enfim, coisas que os gatos não faziam. O seu gato era pachola, passava os dias refastelado, comia, dormia, fazia rom-rom e dava cabeçadas nas suas pernas mas, não tinha aquele espírito de sacrifício que os cães demonstravam nas situações difíceis. Nunca se falara de qualquer gato que salvasse alguém de morrer afogado, ou que numa avalancha descobrisse alguém soterrado.
O seu gato era o seu amor e não queria separar-se dele. Mas queria que ele fosse cão. Então resolveu começar por o ensinar a ladrar.
Passou horas frente ao bicho... hão! hão! hão! “Então gato de caca ladras ou não? Continuas estúpido, estás cada vez mais gato e menos cão. Assim não me serves para nada, faz lá um esforço senão vou pôr-te no Jaleco e trago de lá um rafeiro que tenha atitudes caninas inteligentes e não passe a vida a olhar para mim e a usufruir do que te dou”. O gato olhava o seu dono com um ar de quem não está a perceber nada da história. Então este cretino põe-se a olhar para mim e ainda por cima arma-se em cão ladrando que nem um parvo. E não é nada convincente. Se o tipo fosse cão eu já tinha cavado daqui, nunca se sabe porque é que aqueles estúpidos andam sempre a correr atrás dos gatos. Correm que nem possessos mas quando os gatos se voltam para trás, travam às quatro patas e retrocedem com o rabo entre as pernas. Pobres bichos, passam a vida a lamber as mãos aos donos e a levar porrada por tudo e nada, muitas das vezes por não terem conseguido perceber aquilo que os donos queriam que fizessem. Porque não se deixam estar pura e simplesmente esperando que lhes dêem comida fazendo apenas o que lhes der na real gana? Limitem-se a fazer companhia que é o que os gatos fazem e, se não lhe derem o necessário, procura-se novo dono. Ele bem via os cães dos amigos. Vai buscar, procura, deita, senta, quieto aí. Gaita!!! Aquilo era escravatura pura, e o pior é que aqueles bichos ainda ficavam todos contentes abanando o rabo de satisfação sem ganharem nada com isso. Ainda se lhes dessem um carapau...
O Homem andava triste, o raio do gato estava cada vez mais gato e menos cão. Era estúpido como um gato. Então ele não via que devia ser cão? Só não o trocava porque gostava muito dele.
Um dia o gato, já farto daquelas cenas, resolveu mudar de personalidade. Passaria a ser o que o dono quisesse. Faria tudo como deve ser. Se melhor o pensou melhor o fez. Passou a fazer béu-béu, mal já se vê, mas sempre dava um jeito. Corria atrás dos outros gatos ladrando, lambia as mãos do dono, com aquela língua arranhadiça, mas paciência, abanava o rabo e levava-lhe os chinelos para ele puxar. Saíam os dois com uma trela de estica-encolhe e até aprendeu a levantar a patita quando mijava. Os amigos do dono diziam; – Que gato patusco que tens.
O tipo afinava retorquindo; – Isto não é um gato é um cão!
O pobre gato passou a ter do dono muito mais consideração, mas, andava triste e um pouco deprimido.
 – Que estupidez, fazer de cão quando se é gato, mas o meu dono gosta e anda satisfeitíssimo, não posso deixá-lo mal.
Passaram-se tempos e o gato cada vez mais triste e deprimido. Começou a emagrecer, a comida nem lhe sabia bem, o raio do dono só lhe trazia uns ossos enormes, via-se aflito para arrancar alguma carne e até já tinha partido um dente.
O Homem, que até ali não percebera o porquê da tristeza do seu “cão”, começou a ficar preocupado. Quando o bicho já estava mal de todo, correu com ele até ao veterinário. O médico não sabia o que dizer, aquele animal estava doente e ele não conseguia o diagnóstico. Recomendou vitaminas e pouco mais...
Quando as coisas pioraram, o nosso homem arrepelava-se e pedia desculpa ao bichano, que tinha muita pena, que não esperara aquela reacção, que até se convencera que ele próprio gostaria de ser cão, que fizera tudo porque gostava tanto dele que não seria capaz de compartilhar a sua amizade com um cão verdadeiro. Pois... chorar não dava saúde ao seu companheiro, agora não valia a pena chorar sobre o leite derramado.
Dizia mal da vida. Porque é que egoisticamente tinha tentado despersonalizar o bicho e fazer dele aquilo que ele nunca seria capaz de ser.
Gostaria de voltar a ter o seu gato pachorrento, molengão, arisco, altivo mas, ao mesmo tempo companheiro e, cheio de saúde.
É sempre assim. Quando tentamos fazer dos outros aquilo que queremos que eles sejam sem sequer verificarmos que cada um tem a sua personalidade , os seus sentimentos, o seu intelecto, os seus desejos, enfim, querer decidir dos seus próprios destinos, acabamos por criar seres abjectos ou por fazer definhar físicos e consciências. Muitas vezes, quando nos apercebemos, já é tarde e não é possível voltar atrás...
Felizmente o nosso gato era mais forte do que ele próprio imaginava. Pensou e resolveu mandar o dono às couves. Comeu, engordou, melhorou o físico e a mente e, quando se apanhou recuperado, saiu porta fora e foi à procura de novo dono, e o antigo... que arranjasse um cão e fosse para o raio que o parta.

Sem comentários:

Enviar um comentário